Ela parecia não notar minha distância, ou se notava, atribuía ao estresse do trabalho. Ela continuava com sua rotina, seus beijos de bom dia, suas mensagens durante a tarde. E, estranhamente, ela parecia mais carinhosa do que o normal. Mais atenciosa. Cada gesto de ternura dela era como sal na minha ferida aberta. Eu me sentia como um fantasma na minha própria casa, no meu próprio relacionamento. Ela estava ali, mas a mulher que eu amava tinha desaparecido, substituída por uma estranha que me tratava com uma gentileza que parecia falsa, ensaiada.
Enquanto ela dormia, eu me tornava um detetive.
Comecei pelo extrato do cartão de crédito dela. A maioria das despesas era normal: almoços, cafés, compras online. Mas algumas coisas se destacavam. Cobranças de aplicativos de transporte em horários estranhos, para lugares que não faziam parte da sua rotina. Um pagamento para um hotel no centro da cidade, de duas semanas atrás, em um dia que ela me disse que ficaria até tarde no escritório para uma "reunião importante" .
Imprimi os extratos e, com uma caneta vermelha, comecei a circular as anomalias. As datas, os horários, os locais. Um padrão começou a surgir. Eram sempre nas noites de terça ou quinta-feira.
O nó no meu estômago apertava a cada nova descoberta. A traição parecia cada vez mais real, mais metódica. Isso não era um deslize. Era um plano.
Eu precisava de mais. Precisava de provas irrefutáveis.
Uma busca rápida na internet me levou ao nome de Sofia, uma detetive particular com boas recomendações. O escritório dela ficava em um prédio comercial anônimo no centro. Marquei uma reunião usando um e-mail falso.
Sofia era uma mulher de uns quarenta e poucos anos, com um olhar perspicaz e uma calma que me deixou um pouco mais tranquilo. Ela não fez muitas perguntas. Apenas ouviu meu relato, olhando para os papéis que eu tinha espalhado sobre a mesa dela.
"Você tem certeza de que quer fazer isso, Ricardo?" , ela perguntou, sua voz era firme, mas não sem compaixão. "Às vezes, é melhor não saber."
"Eu preciso saber" , respondi, minha voz saindo mais firme do que eu esperava.
Ela assentiu lentamente. "Ok. Me dê uma semana."
Paguei seus honorários em dinheiro e saí do escritório dela me sentindo oco. Eu tinha acabado de contratar alguém para destruir o que restava do meu mundo.
A semana seguinte foi a mais longa da minha vida. Eu ia trabalhar, sorria para meus colegas, participava de reuniões, mas minha mente estava em outro lugar. Eu estava vivendo como um zumbi, um autômato passando pelos movimentos da vida enquanto esperava o golpe final. Cada vez que meu celular vibrava, meu coração saltava no peito.
Finalmente, na quinta-feira seguinte, a mensagem de Sofia chegou. Não havia texto, apenas um anexo de imagem.
Minhas mãos tremiam quando abri o arquivo.
A foto era nítida, tirada de longe com uma lente potente. Era Ana. Ela estava sentada em uma mesa do lado de fora de um café charmoso, o sol da tarde iluminando seu rosto. Ela usava um vestido branco, o favorito dela. E ela estava sorrindo. Um sorriso genuíno, radiante, que eu não via há muito tempo.
Mas ela não estava sorrindo para mim.
Na frente dela, segurando sua mão sobre a mesa, estava um homem. Eu o reconheci imediatamente.
Pedro. O irmão de Ana.
Eles sempre tiveram uma relação complicada, distante. Ana raramente falava dele. Eu o tinha visto poucas vezes, a última no nosso noivado, há quase um ano. Na foto, eles não pareciam irmãos distantes. Eles pareciam um casal. A forma como ele a olhava, a forma como a mão dela repousava na dele. Tudo gritava intimidade.
Meu sangue gelou. A traição já era ruim o suficiente. Mas com o próprio irmão dela? A ideia era doentia, repulsiva.
Uma segunda mensagem de Sofia chegou.
"Eles ficaram no café por uma hora. Depois foram para um hotel aqui perto. Ficaram lá por cinco horas. Ela saiu usando outra roupa."
Eu li a mensagem uma, duas, três vezes. As palavras dançavam na minha frente, perdendo o sentido. Cinco horas. Outra roupa. O que mais eu precisava saber?
A tela do celular se apagou, e eu vi meu próprio reflexo no vidro escuro. Eu parecia um estranho. Um homem derrotado, traído da forma mais cruel e inimaginável.
Fechei os olhos. O quarto estava escuro, silencioso. Eu estava sozinho com a verdade, e a verdade era um buraco negro que tinha engolido tudo. Anos de amor, de confiança, de planos para o futuro. Tudo mentira. Tudo reduzido a uma foto em um café e uma mensagem de texto de uma detetive.