Fui para a sala de estar, esperando pelo menos um reconhecimento. Mas a cena era a mesma. Sofia, Gabriel e seus amigos estavam agora jogando alguma coisa no console de videogame. Risadas enchiam o ar. Ninguém sequer notou minha presença.
Passei por eles e comecei a subir as escadas.
"Onde você pensa que vai?", a voz de Sofia me parou.
"Vou tomar um banho. Estou com frio."
Ela fez uma pausa no jogo e me olhou de cima a baixo, uma expressão de puro desdém no rosto.
"Você está pingando no meu tapete."
Eu não respondi. Apenas fiquei ali, tremendo.
Gabriel colocou o controle de lado e se levantou. Ele caminhou até mim, circulando-me como um predador.
"Ele parece um pouco pálido, não acha, Sofi?"
"Ele é sempre pálido", ela respondeu, voltando a atenção para o jogo.
Gabriel parou na minha frente. Ele olhou pela janela em direção ao quintal dos fundos, onde a piscina de borda infinita brilhava sob as luzes externas.
"Sabe, o vento sujou a piscina toda. Folhas por toda parte", disse ele, casualmente.
Um calafrio percorreu minha espinha, e não era apenas pelo frio. Eu sabia o que estava por vir.
"A empresa de manutenção vem amanhã", eu disse, minha voz rouca.
"Mas eu queria dar um mergulho agora", disse Gabriel, fazendo beicinho de uma forma infantil e provocadora. Ele se virou para Sofia. "Amor, a água está tão suja. Você não acha que o Heitor poderia limpá-la para mim?"
Sofia deu de ombros. "Se você quer, querido."
Ela nem me olhou. A ordem foi dada através dele.
"Você ouviu", disse Gabriel, sorrindo. "Vá limpar a piscina."
"Sofia, por favor", eu implorei, olhando para ela. "Estou congelando. Acho que estou ficando doente."
Ela finalmente olhou para mim. Seus olhos eram frios, vazios de qualquer compaixão.
"Não seja dramático, Heitor. Um pouco de trabalho físico vai te aquecer. Agora vá."
A desesperança me atingiu com força. Não havia argumento. Não havia escapatória.
Dei meia-volta e desci as escadas, meus pés pesados como chumbo. Fui até o depósito da piscina, peguei a longa rede de limpeza e caminhei até a beira da água. O vapor subia da superfície aquecida, criando uma névoa fantasmagórica no ar frio da noite.
Mergulhei a rede na água. O esforço de arrastar a rede pesada pela piscina fez meus músculos doerem. Meus tremores pioraram. Uma tontura começou a tomar conta de mim, as luzes ao redor da piscina pareciam borrar.
Eu podia senti-los me observando da sala de estar. Suas silhuetas contra a luz quente da casa.
Continuei, folha por folha, galho por galho. Minha respiração ficou curta. Uma dor aguda começou a se formar no meu peito a cada vez que eu inspirava o ar gelado. Eu me sentia febril, minha pele queimava e gelava ao mesmo tempo.
Eu só precisava terminar. Apenas aguentar mais um pouco.
Mas o mundo começou a girar mais rápido. A rede pareceu pesar uma tonelada. Meus braços cederam.
Minha visão escureceu nas bordas. Olhei para a casa uma última vez. Vi Sofia rindo de algo que Gabriel disse, a cabeça dela jogada para trás em alegria. Ela nem estava olhando em minha direção.
A rede escorregou da minha mão e caiu na água com um barulho suave.
Meus joelhos dobraram.
A última coisa que vi antes de tudo ficar preto foi o convés de madeira da piscina correndo para me encontrar. A última coisa que ouvi foi o som distante da risada de Sofia.
Então, nada.