Ele Não É Mais Seu Capacho
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Capítulo 3

A consciência voltou em fragmentos. Eu estava flutuando em uma escuridão quente e desconfortável. Havia vozes, distantes e abafadas.

"...ele simplesmente desmaiou. Que patético." Era a voz de Gabriel.

"Ele sempre estraga tudo", respondeu Sofia. A voz dela estava mais próxima. "Você acha que ele está bem?"

"Deve ser só uma febrezinha. Homens são tão fracos."

Senti algo frio e úmido na minha testa. Abri os olhos com dificuldade. O teto do meu quarto - não, do quarto de hóspedes - girava lentamente.

Sofia e Gabriel estavam debruçados sobre mim. O rosto de Sofia mostrava uma irritação mal disfarçada de preocupação. Gabriel tinha um sorriso presunçoso.

"Ah, a bela adormecida acordou", disse Gabriel.

"Heitor? Você está bem?", perguntou Sofia, mas seu tom era impaciente.

Tentei me sentar, mas uma onda de vertigem me forçou a deitar de novo. Meu corpo inteiro doía.

"Eu sou estudante de medicina, lembra?", disse Gabriel para Sofia, com um ar de superioridade. "Deixa que eu cuido disso. Provavelmente é só uma infecção. Uma injeção de antibiótico de amplo espectro deve resolver."

Medo se misturou à minha febre. Gabriel mal tinha começado a faculdade.

"Não...", eu murmurei, minha garganta seca. "Eu só preciso... descansar."

"Não seja bobo", disse Sofia, ignorando meu protesto. "Gabriel sabe o que está fazendo. Ele é muito inteligente."

Gabriel saiu do quarto e voltou momentos depois com uma maleta preta. Ele a abriu na minha cama, revelando alguns frascos e seringas. Ele não parecia profissional, parecia uma criança brincando com um kit perigoso.

"Vamos ver...", disse ele, pegando um frasco e uma seringa. Ele preparou a injeção com uma falta de cuidado que me apavorou. Bolhas de ar ficaram presas na seringa.

"Gabriel, não...", eu tentei de novo, tentando me afastar na cama.

"Fique quieto, Heitor", ordenou Sofia. Ela segurou meu ombro, me prendendo no colchão. Sua força me surpreendeu. "Deixe o Gabriel te ajudar."

Gabriel se aproximou com a agulha. Seus olhos brilhavam. Ele não estava tentando me ajudar, estava se divertindo com a situação, exercendo poder.

"Isso vai doer só um pouquinho", ele cantarolou.

Ele limpou uma área no meu braço com um algodão de forma brusca e, sem qualquer técnica, enfiou a agulha.

Uma dor aguda e lancinante explodiu no meu braço. Foi muito pior do que qualquer injeção que eu já tinha tomado. Senti o líquido frio se espalhar sob a minha pele, uma sensação horrível. Gritei de dor.

"Pronto, pronto. Que escândalo", disse Gabriel, retirando a agulha de forma desajeitada. Um pingo de sangue surgiu no meu braço.

Ele flexionou a mão. "Nossa, sua pele é dura. Meu pulso até doeu."

Sofia imediatamente soltou meu ombro e foi até Gabriel, pegando a mão dele com uma preocupação genuína que ela nunca havia mostrado por mim.

"Oh, meu amor, está doendo? Deixa eu ver", disse ela, massageando os dedos dele. "Esse inútil. Até para ficar doente ele dá trabalho."

Eu olhava para os dois, meu braço latejando com uma dor terrível, a febre me fazendo delirar. A indiferença dela era mais dolorosa do que a agulha. Ela estava mais preocupada com o pulso do amante dela do que comigo, seu marido, que acabara de ser torturado na sua frente.

Uma náusea subiu pela minha garganta. Era o fim. Aquele pingo de compaixão que eu talvez ainda guardasse por ela, a memória da mulher por quem um dia eu pensei ter me apaixonado, evaporou naquele instante. Tudo o que restou foi um vazio frio e um nojo profundo.

Sofia, ainda segurando a mão de Gabriel, se virou para mim. Ela tentou colocar a mão na minha testa novamente, talvez para checar a febre.

"Como você está se sentindo agora?", ela perguntou, a voz falsamente suave.

No momento em que seus dedos tocaram minha pele, eu me encolhi com uma repulsa que eu não consegui esconder.

"Não me toque", eu disse. As palavras saíram baixas, mas firmes.

Ela parou, a mão suspensa no ar. Surpresa genuína passou por seus olhos. Foi a primeira vez em três anos que eu a rejeitei.

Seu rosto se fechou, a falsa preocupação desaparecendo, substituída pela sua habitual dureza.

"Como ousa?", ela sibilou.

Mas eu não respondi. Apenas virei o rosto para a parede, o braço em chamas, o coração gelado. Eu não tinha mais nada a dizer para ela. Tudo o que eu podia fazer era esperar o amanhecer.

            
            

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