Um Coração Que Não Lembra
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Capítulo 3

Isabela, a nova mulher de Pedro, nos observava com uma mistura de curiosidade e cautela. Ela não parecia hostil, apenas confusa.

"Ele sofreu um acidente grave há três anos" , ela explicou, a voz suave. "Bateu a cabeça muito forte. Quando o encontrei, ele não se lembrava de nada. Nem do próprio nome. Nós o chamamos de João."

João.

Um nome novo para uma vida nova. O nome "Pedro" pertencia ao passado, a mim. "João" pertencia a ela. A constatação foi mais uma facada no meu peito já sangrando.

Ricardo, sempre o diplomata, interveio.

"Nós somos... amigos antigos. Ficamos chocados ao vê-lo. Pensávamos que ele estava morto."

Eu observei Pedro, ou melhor, João. Ele ouvia a conversa com um distanciamento educado, como se falassem de um estranho. Seus olhos não saíam de Isabela, acompanhando cada movimento dela, garantindo que ela estivesse confortável. A devoção em seu olhar era a mesma que ele costumava dedicar a mim. Agora, era direcionada a outra.

"Ele tem família" , eu disse, a voz trêmula. "Os pais dele... eles sofreram muito. Eles merecem saber que o filho está vivo."

Eu esperava que a menção à família despertasse algo nele, uma lembrança, uma emoção. Mas seu rosto permaneceu impassível.

Foi Isabela quem reagiu. Um sorriso largo e genuíno iluminou seu rosto, formando duas covinhas adoráveis em suas bochechas.

"Família? Ele tem uma família? Meu Deus, isso é maravilhoso!"

Ela estendeu a mão na minha direção, um gesto de pura alegria.

"Isso é a melhor notícia que poderíamos receber! João sempre se sentiu tão sozinho, sem saber de onde veio. Saber que ele tem pais, que não está sozinho no mundo... Obrigada! Muito obrigada por nos encontrar!"

A sinceridade dela me desarmou. Ela não era uma vilã. Ela era uma mulher boa, que salvou o homem que eu amava e se apaixonou por ele. Como eu poderia odiá-la? A situação era cruel, mas a culpa não era dela.

Pedro, vendo a alegria de sua esposa, sorriu também. Ele segurou a mão dela e a beijou.

"Calma, meu amor. É uma ótima notícia, sim."

Então, ele se virou para Isabela, e com uma voz cheia de uma emoção profunda e avassaladora, ele disse algo que selou meu destino.

"Mas não se esqueça, Isabela. Mesmo que eu não soubesse de onde vim, eu nunca estive sozinho. Desde o dia em que te conheci, há três anos, você e agora nosso filho são a minha única família. Você é tudo para mim."

As palavras dele foram ditas para ela, mas cada uma delas me atingiu em cheio. Ele a amava. Total e completamente. O amor que ele sentia por mim, que eu acreditava ser eterno e insubstituível, havia sido substituído. Ele construiu uma nova eternidade com outra pessoa. A saudade que eu sentia era um sentimento unilateral, um eco num quarto vazio.

A dor era tanta que precisei me sentar. Ricardo puxou uma cadeira para mim.

Isabela, percebendo meu estado, pareceu preocupada.

"Vocês viajaram de longe? Devem estar exaustos. Por que não ficam na nossa casa esta noite? Temos um quarto de hóspedes. Amanhã, com calma, podemos conversar sobre a família dele."

A ironia era esmagadora. Ser convidada para a casa que meu noivo construiu com sua nova esposa. Dormir sob o mesmo teto que eles. Mas eu não podia recusar. Era a única maneira de ficar perto dele, de tentar entender o que aconteceu.

"Nós aceitamos" , respondeu Ricardo por mim, pois eu não tinha mais voz para falar.

            
            

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