Ouvi passos leves no corredor, e a porta do meu quarto se abriu suavemente. Era Isabela. Ela usava uma camisola branca e segurava uma xícara nas mãos.
"Não consegue dormir?" , ela perguntou em voz baixa. "Eu também não. A ansiedade. Fiz um chá de camomila. Ajuda a acalmar."
Ela me estendeu a xícara. Seus olhos eram gentis, cheios de uma compaixão que eu não merecia e não sabia como receber.
"Obrigada" , murmurei, aceitando o chá.
Ela se sentou na poltrona ao lado da janela. Ficamos em silêncio por um momento, apenas o som do mar preenchendo o espaço.
"Eu o encontrei na base de um penhasco" , ela começou a contar, como se soubesse que eu precisava de respostas. "Eu pratico ioga na praia bem cedo. Vi algo caído perto das rochas. Pensei que fosse um tronco, mas era ele. Estava inconsciente, muito machucado. A cabeça sangrava muito. Eu chamei ajuda, o levamos para o pequeno posto de saúde da cidade. Ele ficou em coma por semanas."
Ela olhava para o nada, revivendo a cena.
"Quando ele acordou, não se lembrava de nada. Os médicos disseram que era amnésia dissociativa, causada pelo trauma. Ele não tinha documentos, ninguém sabia quem ele era. Ele era como uma criança num corpo de adulto. Assustado, confuso."
Ela sorriu, um sorriso um pouco tímido.
"Eu o visitei todos os dias. Para ser sincera" , ela riu baixinho, "no começo, eu ia porque... bem, ele era o homem mais bonito que eu já tinha visto. Mesmo todo quebrado no hospital."
A honestidade dela era cativante. Ela não tentava se pintar como uma santa, apenas como uma mulher que se encantou.
"Mas depois... eu me apaixonei pela pessoa que ele se tornou. João é gentil, é calmo. Ele ensina surf para as crianças da região. Ele ama o mar. Ele me ama."
A última frase foi dita com uma certeza tranquila que me feriu profundamente.
Então, ela olhou diretamente para mim, e a pergunta que eu temia veio.
"Ricardo disse que vocês eram amigos. Mas o jeito que você olhou para ele... não era como uma amiga olha. Quem é você, de verdade?"
O ar ficou pesado. A verdade estava na ponta da minha língua, querendo explodir. Eu sou a noiva dele. A mulher que ele deixou para trás.
Mas eu olhei para a barriga dela, para o brilho em seus olhos. Se eu contasse a verdade, destruiria o mundo dela. Destruiria a paz que ele encontrou. Ele não se lembrava de mim. Me impor na vida dele só causaria mais dor, mais confusão. Talvez ele até me odiasse por isso.
Engoli a verdade amarga e proferi a mentira que mudaria tudo.
"Eu sou... eu sou a irmã dele."
O alívio no rosto de Isabela foi instantâneo e visível. Ela soltou o ar que nem sabia que estava prendendo.
"A irmã... Graças a Deus."
Ela riu, um riso nervoso.
"Me desculpe. É que... por um momento, eu pensei que você fosse... sabe... uma antiga namorada, ou algo assim. Eu tive tanto medo. Ele é tudo o que eu tenho. A ideia de perdê-lo... de ter que competir com um passado do qual ele não se lembra..."
Ela não precisou terminar. A ironia era cruel. Eu era exatamente a pessoa que ela temia. E agora, eu estava ali, disfarçada de aliada, engolindo minha dor para proteger a felicidade dela. A felicidade que foi construída sobre a minha ruína.
"Você não precisa se preocupar" , eu disse, a voz oca. "Eu nunca faria nada para machucá-lo."
Ou para machucá-la.
Ela sorriu, agradecida, e pegou minha mão. A pele dela era quente.
"Eu quero tanto que os pais dele gostem de mim" , ela confessou, a voz cheia de uma vulnerabilidade infantil. "Quero que me aceitem como nora, que amem o neto deles. Você... você pode me ajudar? Pode dizer a eles que eu cuidei bem do Pedro? Que eu o amo?"
O pedido era um punhal. Ela estava me pedindo para defender minha "rival" diante da família que um dia seria minha. Para cimentar o lugar dela na vida que deveria ter sido a minha.
Eu apenas assenti, incapaz de formular uma palavra. A irmã. Era isso que eu era agora. Uma estranha com um título inventado, uma guardiã silenciosa de um amor que só existia na minha memória.