A dor na mão era tão intensa que o mundo de Sofia começou a escurecer nas bordas. Ela sentiu sua consciência se esvaindo, um alívio bem-vindo da agonia. A escuridão a engoliu e, por um momento, não havia mais cela, não havia mais dor, não havia mais Isabela.
Ela estava de volta ao quintal de sua casa. O sol da tarde pintava tudo de dourado. Lucas estava lá, consertando a cerca de madeira que separava suas casas. Ele era mais jovem, um adolescente, o cabelo bagunçado pelo vento. Ele a viu se aproximar e sorriu.
"Achei que você ia passar a tarde toda lendo aqueles seus livros."
"Terminei mais cedo" , ela respondeu no sonho, a voz clara e feliz.
Ele largou as ferramentas e se sentou na grama, convidando-a para se juntar a ele.
"Sabe, Sofia, eu estava pensando. Quando eu for pra capital e me tornar promotor, a primeira coisa que vou fazer é comprar uma casa grande. Com um jardim maior que o da sua mãe. E você vai poder plantar o que quiser."
"E você?" , ela perguntou.
"Eu? Eu só quero ter você lá. O resto não importa."
A sinceridade em seus olhos era tão real, tão palpável. Aquele era o Lucas que ela amava, o Lucas que ela guardava em seu coração. O sonho era um bálsamo, um lembrete do que estava em jogo.
Um solavanco a trouxe de volta. A dor na mão latejava furiosamente. Ela abriu os olhos e a realidade cruel da cela a atingiu como um soco. Isabela ainda estava lá, observando-a com um olhar frio e calculista. A perda do sonho, daquele momento de paz, foi quase tão dolorosa quanto o ferimento físico.
"Acordou, aberração?" , disse Isabela. "Pensei que você tinha morrido. Que pena, teria poupado muito trabalho."
Isabela fez um sinal para o guarda, que se aproximou com um cassetete na mão.
"O doutor Lucas quer uma confissão. E como você não parece disposta a cooperar com palavras, talvez a gente consiga uma resposta do seu corpo."
O guarda ergueu o cassetete. Sofia fechou os olhos, preparando-se para o impacto.
"Chega."
A voz de Lucas veio da porta. Firme, autoritária. O guarda parou, o cassetete no ar. Isabela se virou, irritada.
"Lucas, querido, eu só estou tentando ajudar. Ela é teimosa."
"Eu disse chega, Isabela" , ele repetiu, entrando na cela. Ele não olhou para Sofia. Seus olhos estavam fixos em Isabela. "Ela precisa estar viva e consciente para assinar a confissão. Morta ou desmaiada, ela não nos serve para nada."
O coração de Sofia se partiu em mais um pedaço. Ele não a tinha defendido por compaixão. Era pura praticidade. Uma ferramenta que precisava estar funcionando para o seu propósito. Aquele jovem do seu sonho, que só a queria ao seu lado, parecia uma pessoa completamente diferente do homem que estava ali, na sua frente.
Ela se lembrou de outra vez, anos atrás. Ela tinha caído da mangueira e torcido o tornozelo. Lucas a carregou nas costas até sua casa. Ele ficou ao seu lado enquanto sua mãe fazia um curativo, segurando sua mão, o rosto dele pálido de preocupação. "Vai ficar tudo bem, Sofia. Eu estou aqui" , ele sussurrava.
Onde estava aquele menino agora? Será que ele ainda existia, enterrado sob camadas de ambição e ressentimento? Ou será que ela tinha se enganado o tempo todo? Talvez ela nunca o tivesse conhecido de verdade. Talvez o homem frio e calculista que ela via agora fosse o verdadeiro Lucas, e o menino gentil do seu passado fosse apenas uma ilusão que ela mesma criara. A dor dessa percepção foi mais profunda do que qualquer ferimento físico. Ela estava sozinha. Completamente sozinha.
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