"Sofia" , começou Isabela, a voz soando falsamente justa e compassiva. "Estamos aqui para entender. Para te dar uma chance de se explicar. Sabemos que você passou por algo terrível. Ninguém comete um ato como esse sem um motivo forte."
Ela caminhava de um lado para o outro, a personificação da razão.
"O que eles fizeram com você, Sofia? Seus pais te maltratavam? Havia algo que ninguém sabia?"
Sofia permaneceu em silêncio. Sua boca estava inchada, a dor em sua mão era uma brasa constante. Falar era impossível, mas mesmo que pudesse, as palavras não sairiam.
Isabela suspirou, um ato teatral de frustração.
"Se você não fala, como podemos te ajudar? Como podemos entender a dor que te levou a isso?"
Ela se aproximou de Sofia, que estava sentada em uma cadeira simples, vigiada por dois guardas. Isabela fingiu arrumar a gola da roupa rasgada de Sofia. Seus dedos, no entanto, foram direto para o peito dela, onde sentiu o volume do papel dobrado. Sofia guardava a última carta de Lucas ali, contra a pele, um último resquício do que eles foram.
Com um movimento rápido, Isabela enfiou a mão dentro da blusa de Sofia e puxou a carta.
"O que é isso?" , ela perguntou, com uma surpresa ensaiada.
Sofia tentou se levantar, um som gutural escapando de sua garganta, mas os guardas a seguraram com força.
Isabela desdobrou o papel amarelado e começou a ler em voz alta, a voz clara e ressonante enchendo a sala.
" 'Minha querida Sofia, escrevo esta carta com o coração pesado. A vida na capital me mudou. Conheci alguém, o nome dela é Isabela. Ela é de uma família importante, uma advogada brilhante que pode me ajudar a construir a carreira que sempre sonhei. Nós vamos nos casar. Eu sei que te prometi um futuro, mas peço que entenda e me perdoe. Espero que você encontre a felicidade. Adeus. Lucas.' "
Um murmúrio chocado percorreu a sala. Todos os olhares se voltaram para Lucas, depois para Sofia. A carta fornecia o que todos queriam: um motivo. Um crime passional. Uma mulher desprezada que enlouqueceu de ciúmes e dor.
O juiz Afonso pigarreou, ajustando os óculos.
"Isso... isso muda as coisas" , ele disse, a voz grave. "Um coração partido pode levar uma pessoa a atos desesperados. Mas nada, absolutamente nada, justifica o que você fez com seus pais, menina. Eles não tinham culpa das escolhas do rapaz."
A acusação estava selada. A narrativa estava completa.
Uma vizinha, a mesma que encontrou os corpos, foi chamada para depor.
"Agora que penso nisso, eles estavam estranhos nos últimos dias" , disse a mulher, o rosto contrito. "A Maria me deu o jogo de panelas novo dela, disse que não ia precisar mais. O João vendeu as melhores ferramentas do açougue por quase nada. Parecia que estavam se despedindo."
As palavras da mulher, que deveriam levantar suspeitas sobre o plano deles, agora serviam apenas para reforçar a teoria da promotoria: os pais sabiam da traição e do desespero da filha, e talvez estivessem tentando fugir com ela.
Sofia olhou para Lucas. Ele estava pálido, os olhos arregalados, fixos na carta que Isabela segurava. Ele balançava a cabeça lentamente, a confusão e o choque estampados em seu rosto. Ele não se lembrava de ter escrito aquelas palavras. Aquela não era sua letra. Aquela não era sua despedida.
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