Sofia aceitou com um sorriso. Ela confiava em Isabella. Dividiam um apartamento perto da universidade, estudavam juntas, compartilhavam segredos. Quando Isabella a convidou para o casamento de uma tia em uma fazenda no interior, Sofia não pensou duas vezes. Seria uma pausa bem-vinda da rotina de estudos intensos.
Ela mastigou o doce, sentindo um gosto estranhamente amargo por baixo do açúcar.
"Nossa, que diferente" , comentou, a voz já um pouco arrastada.
"É o recheio especial da minha tia" , Isabella respondeu, os olhos brilhando de um jeito que Sofia não conseguiu decifrar.
A cabeça de Sofia começou a pesar, e o mundo lá fora se transformou em um borrão verde e marrom. A última coisa que ela sentiu foi o gosto amargo na boca e o sorriso fixo de Isabella antes de tudo escurecer.
Quando acordou, não estava em um quarto de hóspedes aconchegante. O cheiro era de mofo e sujeira. O colchão fino no chão de cimento era áspero contra sua pele. Uma mulher velha e ossuda, com olhos pequenos e cruéis, a observava de um canto.
"A bela adormecida finalmente acordou" , a mulher zombou, a voz como uma lixa.
Sofia sentou-se de repente, a cabeça latejando.
"Onde eu estou? Onde está a Isabella?"
A mulher soltou uma risada seca e curta.
"Isabella? Ah, a sua amiguinha. Ela já foi embora há muito tempo. Pegou o dinheiro e te deixou aqui, como combinado."
A confusão de Sofia se transformou em um gelo que subiu por sua espinha.
"Dinheiro? Que dinheiro? Isso é um engano, eu sou convidada para um casamento."
"Sim, o seu casamento" , disse a mulher, aproximando-se. "Meu filho te comprou. Você é a noiva dele agora."
As palavras atingiram Sofia como um soco no estômago. Vendida. Isabella a tinha vendido. A amiga que a consolava, que dividia o açaí, que prometeu ser sua madrinha de formatura. Tudo uma mentira. A náusea subiu por sua garganta, uma mistura de dor, raiva e pavor absoluto.
Desesperada, ela se levantou de um salto, ignorando a tontura. A porta. Ela precisava sair dali. Correu em direção à saída, mas seu corpo estava fraco, as pernas como gelatina por causa da droga. Ela tropeçou, caindo com força no chão de terra batida do quintal.
"Pega ela!" , gritou a mulher.
Um homem jovem e forte, provavelmente o filho dela, o tal noivo, a agarrou pelo braço com uma força brutal.
"Me solta! Socorro!" , Sofia gritou, debatendo-se.
A mulher velha, que se apresentou como Senhora Silva, aproximou-se e deu um tapa forte no rosto de Sofia, que a fez virar a cabeça. A dor aguda a deixou atordoada.
"Cala a boca, sua vagabunda! Nós pagamos por você. Você nos pertence. Vai aprender a obedecer."
As lágrimas de humilhação e dor escorriam pelo seu rosto. Ela tentou uma última cartada, a voz trêmula.
"Por favor... minha família pode pagar. Eles pagam o dobro, o triplo do que vocês pagaram. É só me deixarem fazer uma ligação."
A Senhora Silva e seu filho riram, um som feio e debochado.
"Acha que somos idiotas?" , a mulher cuspiu as palavras. "Sua amiga disse que você não tem ninguém, que é uma órfã tentando a vida na cidade grande. Ela pegou todo o seu dinheiro. Você não tem nada. E agora, você não é ninguém."
Eles a arrastaram de volta para o quarto sujo e a trancaram. Sofia se encolheu no canto, o corpo dolorido, a alma em pedaços. O desespero era uma escuridão densa, sufocante. Ela olhou pela pequena janela gradeada, o coração batendo descontrolado.
Do lado de fora, a paisagem era de um verde exuberante, com colinas suaves ao longe. No meio do terreno, uma velha mangueira, imensa e torta, se destacava contra o céu. Uma árvore exatamente como aquela...
Uma lembrança distante, quase apagada, surgiu em sua mente. Sua avó, sentada na varanda, contando histórias de sua terra natal. Histórias de uma mangueira gigante onde as crianças da aldeia se reuniam, um ponto de referência que todos conheciam.
A dúvida começou a brotar em meio ao pânico. O nome da cidadezinha que Isabella mencionou... a descrição da fazenda... a mangueira. Poderia ser?
Ela se aproximou da janela, forçando a vista. E então ela viu. Um pequeno riacho correndo não muito longe, exatamente como nas histórias. A capela branca no topo de uma colina distante.
Não era uma coincidência.
Aquele vilarejo não era um lugar qualquer. Era a terra natal de sua avó Maria e de seu avô José.
Uma onda de choque percorreu seu corpo, mas desta vez, não era de medo. A imagem de sua avó se formou em sua mente, não a velhinha doce que lhe dava bolo, mas a mulher forte e respeitada que as histórias descreviam. Uma mulher temida na região, de língua afiada e pulso firme. E seu avô, um líder comunitário, um homem cuja palavra era lei.
O desespero não desapareceu, mas algo novo se acendeu dentro dele. Uma brasa de esperança. De raiva. De poder.
Eles achavam que ela era uma órfã indefesa.
Eles não poderiam estar mais enganados.