No dia seguinte, eles a arrastaram para fora do quarto. A Senhora Silva jogou um vestido branco, velho e amarelado, em seus pés.
"Veste. O padre já está esperando."
Sofia olhou para o vestido com nojo e depois encarou a mulher nos olhos. A menina assustada de ontem havia desaparecido. Em seu lugar estava alguém com uma nova e perigosa determinação.
"Eu não vou me casar com ninguém" , ela disse, a voz firme e clara. "E vocês cometeram o maior erro das suas vidas."
A Senhora Silva riu, mas parou ao ver a expressão no rosto de Sofia.
"Vocês sabem quem eu sou?" , Sofia continuou, dando um passo à frente. "Vocês sabem de quem eu sou neta?"
O filho da Senhora Silva a empurrou. "Cala a boca e veste logo isso."
Sofia o ignorou, mantendo os olhos fixos na mulher.
"Minha avó se chama Maria. Meu avô, José. Eles nasceram e cresceram aqui. Talvez vocês já tenham ouvido falar deles."
O nome "Maria" e "José" pairou no ar. A Senhora Silva piscou, uma sombra de incerteza passando por seu rosto. Alguns vizinhos que se aproximavam para a "festa" pararam e começaram a cochichar. Os nomes eram comuns, mas quando ditos com tanta autoridade, causavam hesitação.
"Está louca" , a Senhora Silva disse, tentando recuperar o controle. "Está inventando coisas para escapar. Muitas garotas tentam essa tática. Acham que somos estúpidos?"
"Eu não estou mentindo" , insistiu Sofia. "Minha família se mudou para a capital há muitos anos, mas esta é a terra deles. Pergunte a qualquer um dos mais velhos. Pergunte sobre a família que morava perto da grande mangueira."
A menção à mangueira fez mais alguns vizinhos trocarem olhares preocupados. Aquela era a antiga terra da família de José, um homem que, mesmo ausente, ainda era uma lenda de respeito e poder na região.
"Mentira!" , gritou a Senhora Silva, o pânico começando a transparecer em sua voz. "Se eles fossem tão importantes, por que sua amiga te venderia por uma ninharia? Por que você estaria aqui, suja e sozinha?"
"Porque ela é uma traidora! Porque ela me drogou!" , Sofia retrucou, a voz subindo.
A Senhora Silva, vendo que estava perdendo a plateia, decidiu agir com a única ferramenta que conhecia: a violência. Ela avançou e agarrou o cabelo de Sofia, puxando-a para o chão.
"Eu disse pra calar a boca!"
Ela começou a bater em Sofia, com raiva e desespero. Sofia tentou se proteger, mas estava em desvantagem. Em meio aos golpes, ela continuou a gritar, uma última tentativa desesperada de alcançar alguém que pudesse ouvir.
"MEU NOME É SOFIA! EU SOU NETA DA MARIA E DO JOSÉ! SOCORRO!"
Seus gritos ecoaram pelo pequeno vilarejo. As pessoas olhavam, chocadas e incertas, mas ninguém ousava intervir contra a família Silva. A Senhora Silva, furiosa com a teimosia de Sofia, pegou um pano sujo do chão e o enfiou na boca dela, abafando seus gritos.
"Leva ela daqui!" , ordenou ao filho. "Tranca ela no celeiro até ela aprender a ficar quieta."
O homem a arrastou pelos braços, as pernas de Sofia se arrastando na poeira. A pequena chama de esperança que havia se acendido em seu peito foi brutalmente apagada. Enquanto era jogada na escuridão do celeiro, com o gosto de terra e desespero na boca, o silêncio do vilarejo era a única resposta aos seus apelos. O medo voltou, mais frio e cortante do que antes.