Um rapaz alto e de ombros largos apareceu na porta, bloqueando a luz. Seus olhos passaram pela cena: o irmão com uma expressão de raiva, e uma garota machucada e amordaçada no chão. Era Pedro, o primo de Sofia, embora ela não soubesse disso ainda.
O filho da Senhora Silva recuou um passo. "Não é nada, Pedro. Só uma noiva teimosa que estamos tentando domar."
Sofia viu uma chance. Com as mãos amarradas, ela se arrastou na direção do recém-chegado, os olhos suplicando. Ela cuspiu o pano da boca.
"Pedro!" , ela arfou, a voz rouca. "Sou eu! Sofia! Sua prima! Filha da tia Helena!"
Pedro franziu a testa, confuso. Ele olhou para a garota. O rosto estava inchado e sujo, o cabelo uma bagunça emaranhada. Ele não a via há quase dez anos, desde que ela era uma criança. Essa mulher desesperada não parecia em nada com a pequena Sofia de suas memórias.
"Prima? Eu não tenho nenhuma prima com esse nome aqui" , ele disse, desconfiado.
A Senhora Silva aproveitou a hesitação dele. Ela se aproximou, colocando a mão no ombro de Pedro com uma falsa preocupação.
"Não ligue para ela, meu filho. A coitada é louca. Compramos ela de uma gente na cidade grande, e desde que chegou ela fica inventando essas histórias. Diz que é neta da sua tia Maria. Deve ter ouvido o nome em algum lugar e agora está usando para tentar escapar."
O coração de Sofia afundou. Ele não a reconheceu. A última esperança estava se esvaindo.
"É mentira!" , ela gritou, a voz quebrando. "Olhe para mim, Pedro! Por favor, lembre-se de mim!"
Mas a semente da dúvida já havia sido plantada. Pedro, embora visivelmente incomodado com a violência, não sabia em quem acreditar. A história da Senhora Silva, por mais cruel que fosse, parecia mais plausível do que uma prima perdida aparecendo daquela forma.
"Levem ela para o quarto dos fundos" , disse a Senhora Silva, a voz agora calma e controladora. "Deixem ela esfriar a cabeça. Pedro, venha, vamos conversar."
Eles a arrastaram novamente, desta vez para um pequeno quarto nos fundos da casa, ainda mais isolado que o primeiro. A porta foi trancada com um barulho pesado de ferrolho. A escuridão e o silêncio a envolveram. O desespero ameaçou consumi-la por completo.
Mas enquanto seus olhos se ajustavam à penumbra, ela viu algo encostado em um canto. Um pedaço de madeira, pesado e sólido, parte de uma cadeira quebrada.
A raiva superou o medo. Ela não ia morrer ali. Ela não ia se entregar.
Quando ouviu passos se aproximando da porta novamente, ela se levantou, cambaleando, e empunhou o pedaço de madeira com as duas mãos. Seu corpo tremia, mas sua determinação era de ferro.
A porta se abriu e o filho mais novo da Senhora Silva entrou, trazendo um prato de comida.
"Se não comer, vai morrer de fome antes do casamento" , ele disse com desdém.
No instante em que ele entrou, Sofia ergueu a madeira.
"Fique longe de mim!" , ela gritou, a voz cheia de uma fúria que ela não sabia que possuía.
O homem parou, surpreso com a reação dela. Ele olhou para o pedaço de madeira e para os olhos dela, que queimavam de ódio. Pela primeira vez, ele viu algo além de uma vítima. Ele viu perigo.
"Abaixa isso, sua louca" , ele disse, dando um passo para trás.
"Saia daqui ou eu juro que racho a sua cabeça!" , ela ameaçou, avançando um passo.
Ele hesitou, depois recuou para fora do quarto, fechando a porta apressadamente. Sofia ficou ali, ofegante, o coração batendo forte contra as costelas, a madeira ainda erguida. Ela havia conseguido criar um impasse. Por enquanto, estava sozinha. Mas a luta estava longe de terminar.