Ela estava exausta. A pressão do vestibular, meses de estudo intenso, noites mal dormidas. Por isso Ricardo a trouxera para a fazenda, um refúgio simples que ele mantinha no interior, longe da agitação da cidade. Um lugar para ela respirar, para ele se desconectar da fachada que mantinha no dia a dia.
Ricardo era conhecido publicamente como um arquiteto paisagista de renome, mas essa era apenas uma pequena parte da verdade, uma fachada cuidadosamente construída. A verdade é que ele era o cérebro e o poder por trás de um dos maiores impérios imobiliários do país, um homem que movia bilhões com um telefonema, mas que preferia o anonimato. Sua esposa, Paula, era quem adorava os holofotes, o rosto público da empresa, a CEO glamorosa nas capas de revistas. Ele permitia, achando que isso a faria feliz.
A viagem de volta para a cidade deveria ser tranquila, mas ao fazerem uma curva em uma estrada de terra mais estreita, cercada por uma densa vegetação, Ricardo freou bruscamente.
Um carro velho e surrado bloqueava a passagem. Ao lado dele, um grupo de uns cinco ou seis jovens, com roupas largas e atitudes arrogantes, os encarava. Um deles, o que parecia ser o líder, deu um passo à frente, um sorriso debochado no rosto.
Ricardo o reconheceu imediatamente, um calafrio percorreu sua espinha. Era Léo, um ex-assistente de Paula. Um rapaz ambicioso e liso que ela havia demitido há alguns meses por motivos que nunca ficaram totalmente claros para Ricardo.
"Olha só o que temos aqui", disse Léo, aproximando-se da janela do motorista. Seus olhos percorreram o carro de luxo com uma cobiça mal disfarçada.
Sofia acordou com a parada súbita, piscando os olhos, confusa.
"O que foi, Ricardo? Aconteceu alguma coisa?"
"Fique calma, Sofia. Deve ser só um mal-entendido", Ricardo respondeu em voz baixa, tentando manter a situação sob controle. Ele abriu a janela.
"Com licença, amigo. Precisamos passar", disse Ricardo, com a voz firme, mas educada.
Léo soltou uma risada alta e desdenhosa.
"Passar? Acho que não. Sabe, eu estava justamente esperando por você."
Ele se apoiou na porta do carro de Ricardo, o queixo erguido em um gesto de desafio.
"Este carro é muito bonito. Um belo presente que a Paula me deu."
Ricardo franziu a testa. A confusão inicial deu lugar a uma irritação crescente.
"Do que você está falando? Este carro é meu."
"Seu?", Léo gargalhou de novo, e seus comparsas riram com ele. "Ah, você deve ser o marido dela, né? O tal do Ricardo. O paisagista. Paula me falou de você. Disse que você é um encostado, que vive às custas dela. Então, tecnicamente, o carro é dela. E ela me deu. Como um presentinho."
A humilhação nas palavras de Léo era palpável, cortante. Ser chamado de "encostado", um "sustentado", quando era ele quem sustentava todo o luxo em que Paula vivia. A ironia era brutal. Mas a presença de Sofia ao seu lado o forçou a engolir a raiva que subia por sua garganta.
"Olha, Léo, eu não sei que tipo de conversa você teve com a Paula, mas isso é um engano", Ricardo tentou argumentar, a voz ainda controlada. "Este carro está no meu nome. Por favor, tire seu veículo do caminho para que possamos ir embora."
Ele precisava tirar Sofia dali. A segurança dela era a única coisa que importava.
Léo, no entanto, pareceu se divertir ainda mais com a calma de Ricardo. Ele interpretou a paciência como fraqueza.
"Ah, o maridinho 'sustentado' está tentando ser razoável", ele zombou, olhando para seus amigos. "Que bonitinho. Mas sabe o que eu acho? Acho que você não manda em nada. A Paula me deu o carro, e se ela me deu, é meu. Agora, desce. Desce do meu carro."
A insolência era inacreditável. Ricardo sentiu o sangue ferver. A fachada de arquiteto tranquilo estava começando a rachar, revelando o empresário implacável por baixo. Ele olhou para o rosto assustado de Sofia e tomou uma decisão. Por ela, ele iria suportar. Por enquanto.
"Não vou descer do meu carro", disse Ricardo, a voz baixa e perigosa. "E sugiro que você e seus amigos saiam da minha frente. Agora."
Léo não se intimidou. Pelo contrário, seu sorriso se alargou.
"Ou o quê? O jardineiro vai jogar um pouco de terra em mim?"
A humilhação pública, a traição de Paula que ficava mais clara a cada palavra de Léo, e, acima de tudo, o medo nos olhos de sua irmã. Tudo isso se acumulava dentro de Ricardo, uma pressão prestes a explodir.