Dois dias depois, eu estava no meu quarto estudando quando ouvi uma batida na porta. Minha mãe abriu e disse:
"Maria, o Pedro está aqui."
Senti um calafrio, mas mantive a calma.
"Pode deixar ele entrar, mãe."
Pedro entrou no meu quarto com um ar de superioridade. Ele olhou ao redor, para meus livros e anotações, com um leve desprezo.
"Pensei que você estaria chorando" , ele disse, com um sorriso condescendente.
Eu fechei meu livro.
"Por quê? Porque você decidiu estragar seu futuro? Isso é motivo para você chorar, não eu."
O sorriso dele vacilou. Ele claramente não esperava essa resposta.
"Não seja dramática, Maria. Eu vim aqui para te ajudar. Eu sei que você está chateada, mas não precisa ficar."
Ele se sentou na beirada da minha cama, como se fosse o dono do lugar.
"Eu conversei com o pai da Sofia. Ele disse que pode arranjar um emprego para você na fábrica também. Na linha de montagem. Assim, a gente ainda pode ficar perto um do outro. Não é perfeito?"
Eu olhei para ele, incrédula. A audácia. A arrogância. Ele realmente achava que estava me oferecendo um grande prêmio.
Comecei a rir.
Não uma risadinha. Uma gargalhada alta e genuína.
Ele ficou vermelho de raiva e confusão.
"Qual é a graça?"
"A graça, Pedro, é você. Você acha mesmo que eu, que passei noites em claro estudando, que consegui uma vaga em uma das melhores universidades do país, vou largar tudo para trabalhar numa fábrica barulhenta e suja por um salário mínimo?"
Levantei-me e fui até a janela.
"Você quer essa vida? Ótimo. Aproveite. Eu quero mais. Eu mereço mais."
O rosto dele se contorceu em uma máscara de fúria.
"Você está sendo egoísta! Você só pensa em si mesma!"
"Finalmente você entendeu. Sim, estou pensando em mim mesma. Alguém precisa."
Ele se levantou, a raiva emanando dele. Eu vi um lampejo do homem que me matou. Por um segundo, meu corpo tremeu.
Mas eu me forcei a ficar firme.
Ele não era aquele homem ainda. Ele era apenas um garoto mimado fazendo uma birra.
"Você está fazendo isso para me punir, não é? Jogando duro. Acha que se você me rejeitar, eu vou voltar correndo e implorar para você ir para a faculdade comigo."
Ele estava interpretando tudo errado, preso em sua própria narrativa egocêntrica. Ele não conseguia conceber um mundo onde ele não era o centro das minhas decisões.
E de repente, eu vi uma oportunidade.
A raiva direta não funcionaria com ele. Ele era teimoso demais. Mas seu ego... seu ego era seu ponto fraco.
Eu mudei minha postura instantaneamente. Relaxei os ombros, deixei uma expressão triste tomar conta do meu rosto.
"Não é isso, Pedro" , eu disse, com a voz embargada. "É que... eu não acho que sou boa o suficiente para você."
Ele piscou, pego de surpresa pela mudança repentina.
"O quê?"
"Você e a Sofia... vocês têm a fábrica, uma vida planejada. Eu sou só... eu. Com um sonho de ir para a faculdade. É um sonho bobo, eu sei. Não se compara com a realidade que você tem agora."
Eu vi a confusão no rosto dele dar lugar a uma presunção satisfeita.
Era exatamente isso que ele queria ouvir. Que a escolha dele era a superior, que a minha era insignificante.
Ele estava caindo na armadilha.