"Já vou indo, Pedro. A gente se fala", eu disse, dando um aceno rápido para meu amigo.
Virei-me em direção à saída, mas um corpo se moveu, bloqueando meu caminho. Era Ricardo.
"Opa, calma aí, campeão. Aonde você pensa que vai? A festa mal começou", ele disse, com um sorriso provocador.
"Tenho um compromisso, Ricardo. Com licença."
Ele não se moveu. "Compromisso? Deixa eu adivinhar, um showzinho no bar da esquina por cinquenta reais e uma cerveja?"
Gabriela riu alto ao lado dele. "Seja gentil, amor. Talvez ele tenha conseguido um emprego de entregador. É um futuro digno para quem não tem cérebro para os estudos."
A humilhação era pública, calculada. Todos ao redor assistiam, alguns com sorrisos cúmplices, outros com um desconforto covarde.
Eu respirei fundo, controlando a raiva que subia pela minha garganta.
"O sucesso de vocês no ENEM é ótimo, de verdade. Mas isso não define o valor de ninguém. Existem outros caminhos, outros tipos de sucesso."
Minha calma pareceu enfurecer Ricardo ainda mais. Ele esperava que eu gritasse, que eu me sentisse pequeno, que eu reagisse.
"Olha só, o filósofo da classe baixa nos dando uma lição de moral", ele cuspiu as palavras. "Gente como você nem deveria estar aqui. Esse lugar é para vencedores, para a elite. Pessoas que vão para as melhores federais, pessoas que, como eu, têm uma bolsa garantida em Harvard."
Ele disse a última parte em voz alta, para que todos ouvissem. Um murmúrio de admiração percorreu o grupo. Harvard. A palavra tinha um peso mágico para eles.
Foi nesse momento que eu decidi parar de ser passivo.
Eu o encarei, meus olhos fixos nos dele, e falei em um tom baixo, mas que cortou o barulho do ambiente.
"Pelo menos eu não precisei que meu papai comprasse a minha vaga em Harvard."
O silêncio caiu sobre o salão. As risadas morreram. Os sorrisos congelaram. O rosto de Ricardo, antes exultante, se transformou em uma máscara de fúria. A acusação pairou no ar, precisa e letal.