Capítulo 2 Violeta POV

Joguei os últimos sacos de lixo no latão, que seriam levados à frente apenas ao amanhecer deste mesmo dia, pois estava muito cansada para carregar um carrinho de lata velha por toda a extensa mansão.

Em minha defesa, a essa altura da noite, eu já estava exausta e sedenta por descanso. Dirigi-me à parte que agora era o nosso novo lar. As minhas mãos estavam enrugadas, e eu nem sabia como os meus braços e pernas ainda conseguiam me obedecer. Talvez eles já estivessem acostumados com a exploração que esses eventos representavam. Em dois anos, muita coisa pode mudar, e se adaptar.

Tranquei a porta de madeira de mogno com detalhes rústicos. Ela tinha uma extensa largura e uma maçaneta enorme. Eu não podia reclamar dessa casa, se é que podia chamar de "casa".

Entendi com o tempo, que a propriedade em que morávamos estava mais voltada para a decoração do ambiente do que para garantir um alojamento adequado para os funcionários.

Os meus pensamentos foram interrompidos quando Manu entrou em casa com mamãe, proferindo palavras enquanto atravessavam a porta. A residência em que vivíamos era composta por pequenas casas de alto padrão em volta, mas não eram muitas, não chegava aos 10. Mas quase todos os funcionários tinham alojamentos próximos a residência deles, e os seguranças, ah, isso eu com certeza achava um exagero, eram tantos feito um formigueiro, a propriedade era em um tamanho considerável, mas era uma forma de a família mostrar controle sob os funcionários que não tinham onde morar, e principalmente aquelas que eram pagamento, como nós, mas alguns até faziam questão de estarem ali - o que não era o meu caso.

No entanto, essa proximidade também trazia riscos, pois algum rival poderia invadir a propriedade a qualquer momento. Eu tentava não pensar nisso, mas todos os dias, quase sempre, homens de diferentes áreas, desde seguranças até homens de negócios bem-sucedidos, entravam nessa cozinha. Eu não escutava nada, mas Manu.

Argh!

É tão curiosa que, ao invés de arrumar os lençóis, fica fuxicando e ouvindo as conversas dos patrões. Tenho medo pela minha irmã, que às vezes se esquece do lugar em que estamos e com quem lidamos.

Manu estava praguejando como sempre, e mamãe tentando lhe mostrar o lado bom das coisas.

- Mãe, para! - A minha irmã exclamou, irritada, como se odiasse verdadeiramente tudo aquilo. E eu sabia o que viria em seguida.

- Manu! - Exclamei o mais baixo possível. - Por favor. Pietro está dormindo, acho que já estou cansada o suficiente para ouvir os choros do meu filho.

Ela bufou e me deu as costas, resmungando algo que eu conhecia bem. A minha irmã não havia aceitado o fato tão bem quanto eu, mas era isso, aceitar ou penar. Eu sabia que sairíamos disso, não sabia como, mas sairíamos. Os medos da família Lombardi iam muito além dos valores que o meu pai ficou devendo para eles. Tinha a ver com o fato de ele abrir a boca e dizer tudo o que sabia sobre essa família. Era doloroso, mas seríamos reféns. Eu não via saída, mas sabia que não queria acabar assim, não dessa forma.

- Muitas beliscadas no bufe? - perguntei a mamãe assim que a vi tirar relaxar os ombros após eu lhe dar um beijo. A nossa conversa não seria longa, ambas estávamos cansadas.

- Foi puxada, querida. - respondeu ao me abraçar e depositar um beijo na minha cabeça, e se dirigir ao seu quarto. Eu olhei ao redor, os moveis sob medida, as cores em tons de pasteis, e algumas peças em granito como a pia.

Estou tão exausta, mas prefiro esperar a minha irmã tomar banho, o quarto de mamãe tinha banheiro, e ela podia ter a sua privacidade, e quanto a mim e a Manu dividimos o mesmo banheiro no andar de cima. Eu não iria para o quarto, sabia que dormiria ao deitar na cama, e estava tão suada que isso não seria possível.

Caminhei ate a area da varando, retirando um conjunto de seda um pijama que a minha mãe havia me dado no meu aniversario do ano que tudo mudou. Com as peças nas mãos, era sempre um martírio lembrar das portas sendo arrombadas e da Interpol pegando o meu pai, era o meio da manhã, os gritos da Manu, junto com as súplicas da minha mãe, não amoleceram o coração dos militares, papai foi escoltado até o carro. Mais tarde, descobrimos que o aerotáxi de papai estava cheio de drogas e que ele as entregaria na manhã às 9h, horário comercial, sem muita suspeita. Mas, como se viu, o plano não deu certo, colocando papai na cadeia, e junto uma parede de gelo entre pais e filhas, era difícil acreditar que o meu pai havia se vendido por tão pouco e que a minha mãe estava junto.

Enquanto lamento internamente, carregada pelo cansaço da noite, o meu celular toca com uma mensagem. Sei que devo atender, pois o som é o de Alicia me chamando, uma exigência dela que todos os funcionários tenham o toque dela personalizado, e é uma ordem que eu não tinha o direito de contestar, mas, a essa altura, não me importava mais.

Pela minha obediência, eu evitava agressões, mas Manu demorou para entender o seu lugar, e alguns seguranças não mediam esforços, ou força para fazer o trabalho de correção. Pelo menos algumas pessoas da família se importavam com as boas condutas, e o lugar de segurança não é dentro de casa, como diz o filho mais simpático entre os quatro irmãos. Não que eu conheça Dimitri, o braço direito do Don, e muito menos o Don. Ele mora em uma parte isolada da cidade, em uma verdadeira fortaleza, enquanto os pais Lombardi vivem em um condomínio. O Don Ítalo prefere o seu refúgio em um dos lugares mais bonitos da Toscana, o que me fez entender melhor quem são os Lombardi, já que o Vale Orcia estava incluído no Patrimônio Mundial da UNESCO, e ele simplesmente comprou o lugar quando se mudou á nove anos atrás da mansão Lombardi. Esse também era o motivo de eu não conhece-lo nesses dois anos, ele nunca vinha aqui, era sempre os pais que iriam até ele, mas dessa vez ele tinha algo importante a resolver aqui, os subordinados não sabiam o que era - não sabiam ainda - mas tínhamos ciência que era algo de cunho muito confidencial.

A mensagem de Alicia dizia para mim ir pegar as chaves da dispensa que ela deixou na cozinha, na área que preparávamos os jantares de festa. A verdade é que a família Lombardi exibia um micro restaure na mansão deles, capaz de sustentar até 1.000 pessoas, mas Manu vem com tantas histórias que ela ouve pelos cantos, que não me leva a duvidar de nada.

Bufando, vou pegar as chaves da dispensa que Alicia deixou na cozinha. Sei que é para me irritar, e não entendo qual é o problema dela, na verdade. Acho que ela ainda não entendeu que não posso sair daqui, ou simplesmente gosta de me ver nessa situação, mas tento ao máximo andar na linha, porque na máfia a palavra é lei, seja na morte ou na misericórdia, e eles valorizam quem faz tudo certo. Não que eu me importe, por mim, eles poderiam esquecer que eu existo. Odeio estar aqui, mas o fato não me fará deixar de buscar a liberdade.

Abraço os meus braços ao redor do corpo, o vento frio faz a saia do uniforme, que é elegantemente adequada ao corpo, não me proteger do frio.

Distraída nos meus pensamentos, quando vou pegar as chaves da dispensa, esbarro em um corpo que mais parece uma montanha ambulante, rígida. Antes que eu encontre o chão, braços fortes me rodeiam pela cintura. Tudo acontece tão rápido que só volto a abrir os olhos quando percebo que não caí no chão.

Olho para cima e encontro um par de olhos escuros como a noite me encarando. Mas algo mais chama a minha atenção, algo que me espanta. Percebo que ele também me reconhece, ele me reconhece.

            
            

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