A festa de aniversário de oitenta anos da minha avó estava no auge, o salão da mansão Ribeiro ecoava com risadas e o tintilar de taças de cristal, mas tudo parou quando minha noiva, Sofia Santos, subiu no pequeno palco montado para a banda.
Ela segurou o microfone, o sorriso que eu conhecia tão bem agora parecia estranho, quase predatório.
"Peço a atenção de todos por um momento."
A música parou. Os convidados se viraram, esperando um discurso emocionante, talvez um brinde especial à matriarca da família Ribeiro. Eu mesmo sorri, sem saber o que estava por vir.
"Hoje é um dia de celebração, um dia de família," ela começou, sua voz clara e firme, "e é em nome da honestidade que sinto que devo falar a verdade, aqui, diante de todos que amamos."
Ela fez uma pausa dramática. Seus olhos não encontraram os meus, mas sim os de Gabriel, o motorista da nossa família, que estava parado perto da porta de serviço, tenso.
"Eu não posso me casar com Lucas Ribeiro."
Um murmúrio chocado percorreu o salão. Senti meu sangue gelar. Meu avô, ao meu lado, endureceu a postura, a mão segurando sua bengala com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos.
"Eu descobri o que é o amor verdadeiro," Sofia continuou, sua voz ganhando um tom de superioridade moral. "Um amor que não se compra com ações de empresas de tecnologia ou sobrenomes tradicionais, um amor puro e real."
Ela estendeu a mão na direção de Gabriel.
"Eu amo o Gabriel. E nós vamos ficar juntos."
O silêncio que se seguiu foi pesado, denso, quebrado apenas pelo som de uma taça caindo e se estilhaçando no chão. Sofia então desceu do palco, caminhou com uma confiança absurda até Gabriel, pegou a mão dele e o puxou para o centro do salão, como se apresentasse um troféu.
"O amor dele é mais valioso do que qualquer fortuna que a família Ribeiro possa oferecer," ela declarou, olhando para mim com um misto de pena e desprezo. "Espero que um dia você entenda, Lucas."
A humilhação era uma onda física, quente e sufocante. Eu via os rostos dos convidados, a pena, o choque, o deleite malicioso de alguns rivais de negócios.
Meu avô não conseguiu se conter. Ele deu um passo à frente, a voz um trovão que cortou o silêncio.
"Desrespeito! Traição! Dentro da minha casa! Você ousa humilhar meu neto e manchar o nome da minha família na frente de todos?"
Ele ergueu a bengala, apontando-a para Sofia, o corpo tremendo de raiva.
"Fora! Saia da minha casa agora, sua mulherzinha sem honra! E leve esse aproveitador com você!"
Eu finalmente encontrei minha voz, embora ela soasse rouca e distante aos meus próprios ouvidos.
"Sofia, o que você pensa que está fazendo?" perguntei, a pergunta mais inútil que eu poderia fazer.
Ela apenas sorriu, um sorriso condescendente.
"Estou sendo fiel a mim mesma, Lucas. Algo que você, com todo seu dinheiro, nunca entenderá."
Ela se virou, puxando Gabriel pela mão. Ele parecia um cervo assustado, pego nos faróis de um carro, mas a mão de Sofia em seu pulso era firme.
Eles caminharam em direção à saída, passando por fileiras de convidados atônitos. Sofia mantinha a cabeça erguida, um ar de mártir, como se tivesse acabado de realizar o ato mais nobre do mundo, e não de destruir publicamente um noivado e humilhar duas famílias.
A porta se fechou atrás deles, deixando para trás um silêncio devastador e a ruína da festa de aniversário da minha avó.