A voz dele era baixa, quase um sussurro. A sinceridade naqueles olhos escuros me desmontou. Eu acreditei nele. Naquele momento, eu acreditaria em qualquer coisa que ele dissesse. Entreguei a ele tudo que eu era, sem reservas, sem medo. Foi a primeira vez para mim, em todos os sentidos que importavam. E pareceu o começo de tudo.
Na manhã seguinte, o sol entrava fraco pela janela, mas o lado dele da cama estava frio e vazio.
Encontrei Heitor na cozinha, já vestido em um terno caro, falando ao telefone. Ele não sorriu quando me viu. Apenas fez um gesto com a cabeça e continuou a conversa, a voz dele agora era outra, fria e profissional. A intimidade da noite anterior tinha desaparecido como fumaça.
Ele desligou o telefone e se virou para mim.
"Bom dia."
Ele me entregou uma xícara de café. A mão dele nem sequer roçou na minha.
"Dormiu bem?"
A pergunta era automática, vazia. Ele olhava para um ponto qualquer por cima do meu ombro. Uma ansiedade começou a crescer no meu peito.
"Dormi," eu respondi, a minha voz mais fraca do que eu queria. "Heitor, sobre ontem à noite..."
Ele me interrompeu.
"Eu preciso ir para uma reunião. Tenho um presente para você no quarto, na mesa de cabeceira."
Ele pegou a pasta dele, ajeitou a gravata e caminhou até a porta. Ele parou e olhou para mim.
"Fique à vontade. A casa é sua."
E saiu. Sem um beijo, sem um abraço. A porta se fechou com um clique suave, mas soou como uma batida de porta na minha cara.
A confusão me deixou paralisada por um momento. O Heitor da noite passada e o homem que acabou de sair pareciam duas pessoas diferentes. Voltei para o quarto e vi a pequena caixa de veludo azul na mesa de cabeceira. Abri. Era um colar delicado, de ouro branco, com um pequeno pingente. Era lindo e caro. E parecia um pagamento.
Quando ele voltou, no final da tarde, eu estava sentada no sofá, esperando. O colar estava de volta na caixa. Eu precisava de respostas. A incerteza estava me matando.
Ele entrou, tirou o paletó, afrouxou a gravata. Finalmente, ele pareceu me notar de verdade.
"Você ainda está aqui."
Não era uma pergunta, era uma constatação.
"Precisamos conversar," eu disse, tentando manter a voz firme. "O que nós somos, Heitor? O que tudo isso significa?"
Ele me olhou por um longo tempo, o rosto indecifrável. Eu esperei que ele dissesse que eu estava imaginando coisas, que ele estava apenas estressado com o trabalho. Esperei uma desculpa qualquer. Em vez disso, um sorriso lento se formou nos lábios dele, um sorriso que não alcançou os olhos.
"Você quer saber o que nós somos?"
Ele se sentou ao meu lado, perto demais.
"Eu quero te apresentar ao meu pai."
O choque me calou. O pai dele. O senador, um dos homens mais poderosos do país. Isso era mais do que eu jamais poderia ter sonhado. Era um compromisso. Era um futuro. A dúvida e a mágoa se dissolveram, substituídas por uma onda de alívio e esperança.
"Sério?"
"Muito sério," ele disse, a voz suave de novo. "No jantar de gala da fundação dele, na semana que vem. Quero que todos te conheçam."
Eu sorri, um sorriso genuíno e estúpido. Eu o abracei, e desta vez ele não recuou. Ele me abraçou de volta, mas o abraço dele era contido, quase calculado.
Mais tarde, ele pediu que eu esperasse por ele no escritório enquanto ele tomava um banho. Ele disse que sairíamos para jantar, para comemorar. Eu estava flutuando. Andei pelo escritório dele, passando os dedos pelos livros caros nas estantes. Senti uma ponta de orgulho, de pertencimento. Eu faria parte daquele mundo.
Meu cotovelo esbarrou em uma pilha de papéis na mesa dele, e eles caíram no chão. Eu me agachei para juntá-los, rindo da minha própria falta de jeito. Foi quando eu vi.
Não era uma pilha de papéis qualquer. Era um dossiê. E na capa, em letras grandes, um nome: ISABELA TORRES.
Abri a pasta, a curiosidade mais forte que o bom senso. Havia fotos dela. Uma mulher linda, elegante, com um sorriso confiante. Havia relatórios detalhados sobre a rotina dela, os lugares que frequentava, as pessoas com quem falava. Parecia o trabalho de um detetive particular. E então, no meio dos papéis, encontrei anotações com a caligrafia de Heitor.
Eram notas de um plano.
"Isabela ainda reage a mim. Bloqueou meu número, mas o pai dela disse que ela sempre pergunta. Preciso de uma jogada mais forte."
Meu coração começou a bater descontroladamente.
"A garota nova, Lara. Ela é perfeita. Apaixonada, um pouco ingênua. Submissa. Usar Lara para provocar ciúmes na festa da fundação. Isabela precisa me ver com outra pessoa, alguém que pareça sério. Precisa sentir que está me perdendo para sempre."
O ar saiu dos meus pulmões. Cada palavra era uma facada.
Ingênua. Submissa. Perfeita para o plano.
Eu continuei lendo, as mãos tremendo tanto que mal conseguia segurar os papéis.
"Avaliação de Lara: emocionalmente dependente, busca aprovação. Vinda de uma família simples, vai ficar deslumbrada com o meu mundo. Fácil de controlar. O colar foi um bom teste. Ela ficou, mesmo depois da minha frieza. Ela vai fazer exatamente o que eu mandar."
As náuseas subiram pela minha garganta. A noite mágica, a promessa de futuro, o "eu te entendo" . Tudo uma mentira. Uma performance fria e calculada. Eu não era uma pessoa para ele. Eu era uma ferramenta. Um objeto a ser usado e descartado.
A raiva veio em seguida, uma onda quente e sufocante. A humilhação queimava meu rosto. Ele não só me usou, ele me analisou, me dissecou como um inseto em um laboratório. E o pior de tudo, ele estava certo. Eu tinha caído em cada parte do truque dele.
Ouvi o chuveiro ser desligado. Rapidamente, juntei os papéis, coloquei a pasta exatamente onde estava. Sentei-me na cadeira, forçando meu corpo a relaxar, meu rosto a parecer normal. O choque deu lugar a um gelo estranho nas minhas veias.
Heitor entrou no escritório, enrolado em uma toalha, o cabelo molhado. Ele sorriu para mim, o mesmo sorriso sedutor da noite anterior.
"Pronta para a nossa comemoração?"
Eu olhei para ele, o homem que eu pensei que amava, e vi um monstro.
"Eu estava lendo umas revistas enquanto esperava," eu menti, a voz surpreendentemente calma. "Vi uma matéria sobre a socialite Isabela Torres. Ela é sua amiga?"
Eu observei o rosto dele com atenção. Por uma fração de segundo, vi um brilho de alarme nos olhos dele, rapidamente substituído por um tédio estudado.
"Ah, a Isa. Conheço a família dela há anos," ele disse, casualmente. "Ela é uma garota complicada. Por que a pergunta?"
"Curiosidade," eu disse, dando de ombros. "A revista dizia que vocês tiveram um romance."
Ele riu, uma risada falsa.
"Imprensa. Inventam qualquer coisa por uma boa história," ele disse. "Não se preocupe com isso. O passado é passado. O que importa é o agora. É você."
Ele se inclinou para me beijar, mas eu virei o rosto.
"Estou com um pouco de dor de cabeça," eu disse. "Acho que prefiro ficar em casa hoje."
A decepção no rosto dele era almost imperceptível, mas eu vi. Não era decepção por não passar a noite comigo. Era a irritação de uma peça de xadrez que não se movia como o esperado.
"Claro," ele disse, se afastando. "Como quiser."
Naquela noite, deitada ao lado dele na cama, fingindo dormir, eu não senti mais dor. Não senti mais humilhação. Senti uma clareza fria e afiada. Ele achava que eu era um peão no jogo dele. Ele não sabia que eu tinha acabado de ver o tabuleiro inteiro. E eu não ia ser sacrificada. Eu ia virar o jogo.
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