Cicatrizes de um Passado Amargo
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Capítulo 3

Eu não o segui. Fiquei ali por um minuto, sentindo o peso de centenas de olhares sobre mim. Então, me virei e saí, não pela porta da frente, mas por uma saída de serviço que vi perto da cozinha. O ar frio da noite foi um alívio para a minha pele em chamas. Eu precisava ir embora daquele lugar, daquela farsa.

Andei sem rumo pelas ruas, o som dos meus saltos no asfalto o único barulho na noite silenciosa. Acabei em um bar pequeno e escuro, um lugar que Heitor jamais frequentaria. Pedi a bebida mais forte que eles tinham. A queimação na minha garganta era bem-vinda.

Eu não sabia para onde Heitor tinha ido, mas podia imaginar. Ele estava com ela. Consolando-a. Explicando que eu não significava nada. Que tudo era para tê-la de volta.

Horas mais tarde, voltei para o apartamento dele. A raiva tinha se transformado em uma resignação fria. Usei a chave que ele me deu, a chave que me fazia sentir especial, e entrei em silêncio. As luzes estavam apagadas. Fui até o quarto. A porta estava entreaberta.

Eu vi o meu vestido vermelho jogado no chão como um trapo sujo. E na cama dele, entre os lençóis de seda que eu conhecia tão bem, estavam Heitor e Isabela. Ela estava de costas para a porta, mas a cascata de cabelo loiro era inconfundível. Os braços de Heitor a envolviam.

Eu parei, escondida na sombra do corredor. E então eu ouvi a voz dela, chorosa.

"Você me machucou tanto, Heitor. Aquela garota... o jeito que você a olhava, o jeito que a tocava..."

A risada de Heitor foi baixa e cruel.

"Meu amor, você realmente achou que ela significava alguma coisa? Olhe para ela. Ela é um nada. Um corpo bonito para me divertir enquanto esperava por você. Era só um jogo, Isa. Um jogo para te fazer ver que seu lugar é aqui, comigo."

Um nada. Um corpo bonito.

As palavras dele não me machucaram mais. Elas apenas confirmaram o que eu já sabia. Mas ouvi-las em voz alta, ditas com tanto desprezo, acendeu algo dentro de mim.

"Ela é tão patética," continuou Isabela, a voz agora mais forte. "Ela realmente acreditou que você a levaria a sério? Dá para ver a desesperança nos olhos dela."

"Ela foi útil," disse Heitor. "Serviu ao seu propósito. Agora ela não importa mais."

Eu recuei em silêncio, passo a passo, para não fazer barulho. Fui até a sala, peguei minha bolsa. Minhas mãos não tremiam mais. Havia uma clareza terrível na minha mente. Eu não ia chorar. Eu não ia quebrar.

Saí do apartamento dele, fechando a porta com o maior cuidado. Deixei a chave em cima do aparador do lado de fora. Um gesto simbólico. Eu estava me libertando.

Andando pela rua escura, o choque começou a passar e a adrenalina tomou conta. Eu quase não vi o carro que vinha em alta velocidade. Ele buzinou, os pneus cantando no asfalto ao frear bruscamente, parando a centímetros de mim. O motorista gritou um xingamento pela janela. Eu nem reagi. Continuei andando, o coração batendo forte no peito. A experiência de quase morte me fez sentir estranhamente viva.

A primeira pessoa para quem liguei foi Camila, minha melhor amiga.

"Camila? Sou eu. Preciso de ajuda."

A voz dela estava sonolenta do outro lado da linha, mas ficou alerta instantaneamente.

"Lara? O que aconteceu? Onde você está?"

Eu contei a ela tudo. A festa, a humilhação, a cena no quarto. A voz dela se encheu de fúria em meu nome.

"Aquele desgraçado! Eu vou matar o Heitor! Onde você está? Estou indo te buscar."

Ela me encontrou sentada em um banco de praça, tremendo de frio. Ela me envolveu em um cobertor e me levou para o apartamento dela. Ela me fez um chá quente e ficou sentada comigo em silêncio, apenas segurando minha mão. O calor da amizade dela era a única coisa real em um mundo de mentiras.

"Você vai ficar aqui," ela disse, a voz firme. "Você não vai voltar para ele. Nós vamos dar um jeito."

Naquela noite, no sofá-cama de Camila, uma ideia louca começou a se formar na minha mente. Uma ideia nascida da raiva e da dor. Heitor me chamou de "nada" . Ele me usou como um objeto. Ele queria um show? Ele teria um.

No dia seguinte, eu me sentia vazia, mas determinada.

"Eu vou sair," eu disse a Camila.

"Onde você vai?"

"Preciso fazer uma coisa."

Eu fui a um estúdio de tatuagem. Um lugar barulhento, com cheiro de antisséptico e paredes cobertas de desenhos. Eu nunca tinha pensado em fazer uma tatuagem na vida.

"O que você quer fazer?" perguntou o tatuador, um cara grande e barbudo.

Eu apontei para um desenho na parede. Uma fênix, com as asas abertas, pronta para voar.

"Eu quero essa. Bem grande. Nas costas."

No mesmo lugar onde a mão de Heitor tinha pousado na noite anterior. Onde ele me marcou com a sua humilhação. Agora, eu iria me marcar com a minha própria força.

A dor da agulha na minha pele era intensa, mas era uma dor boa. Uma dor que eu controlava. Cada picada era um ato de rebelião. Era eu reclamando o meu corpo, a minha história.

Saí do estúdio sentindo uma estranha euforia. A dor nas minhas costas era um lembrete constante da minha decisão. Naquela noite, Camila me convenceu a sair.

"Você precisa se distrair. Vamos dançar."

Eu hesitei, mas ela insistiu. Fomos a uma boate lotada e barulhenta. Eu usei um top que deixava a maior parte da minha nova tatuagem à mostra. Eu queria que o mundo a visse.

Na pista de dança, a música pulsando através de mim, eu me senti livre pela primeira vez em muito tempo. Um homem se aproximou, sorrindo. Ele era bonito, mas não importava.

"Gostei da sua tatuagem," ele gritou por cima da música.

"Obrigada," eu gritei de volta.

Ele colocou a mão na minha cintura, me puxando para perto. Por um instante, senti um flash da mão de Heitor. Mas eu o afastei. Eu me movi com ele, mas nos meus termos. A dança era agressiva, liberadora. Não era sobre sedução. Era sobre poder. Eu estava no controle. Eu estava usando meu corpo não para agradar a um homem, mas para expressar a minha própria fúria e liberdade. Era uma sensação perigosa e inebriante.

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