Eu e Bia éramos como duas faces da mesma moeda, idênticas por fora, mas opostas por dentro. Nossos pais sempre a trataram como a frágil, a que precisava de proteção. Ela era a luz, a inocência. Eu era... diferente. Desde pequena, eu era a que brigava, a que não levava desaforo para casa. Enquanto Bia era ensinada a ser gentil e a evitar conflitos, eu era ensinada a lutar, a sobreviver. Nossos pais nos amavam igualmente, mas nos criaram para papéis diferentes. Eles sabiam da escuridão que existia em mim, uma herança de família, e acreditavam que a bondade de Bia a equilibrava.
Eles estavam errados.
Nossa família não era normal. Vivíamos em uma casa grande e isolada, e meus pais pareciam nunca envelhecer. Havia um segredo em nossa beleza e juventude, um segredo que crescia no jardim dos fundos de casa. Bia sempre foi protegida desse lado da nossa vida, mantida pura e ignorante. Eu, por outro lado, era a guardiã. Eu entendia o que era necessário para manter nossa família segura e próspera.
Peguei o celular de Bia da mesinha de cabeceira. A tela estava trincada, provavelmente da queda. Consegui desbloqueá-lo e comecei a procurar. Eu sabia que encontraria algo. Em uma pasta escondida, havia um vídeo. Meu dedo tremeu um pouco antes de eu apertar o play.
A imagem era tremida, gravada por um celular. Mostrava Bia encurralada no vestiário feminino da escola. Carol, Laura e mais duas garotas a cercavam. Elas a empurravam, riam enquanto Bia pedia para elas pararem. A voz dela era um sussurro assustado. Então, Carol pegou a mochila de Bia, jogou tudo no chão molhado do chuveiro. Livros, cadernos, um pequeno chaveiro de coelho que eu dei a ela. Elas a forçaram a ficar de joelhos e a pedir desculpas por ser "esquisita" . A humilhação no rosto de Bia era total.
O vídeo terminou, mas a imagem da minha irmã de joelhos no chão sujo ficou gravada na minha mente. A raiva que eu senti antes era apenas uma faísca. Agora, era um incêndio. Não havia lágrimas, não havia tristeza. Apenas uma clareza fria e absoluta. Aquele sentimento familiar, a coisa dentro de mim que meus pais achavam que Bia controlava, despertou. E estava com fome.
Voltei para o lado da cama. A respiração de Bia era suave, regular. Em um momento de semi-consciência, ela murmurou algo, os olhos ainda fechados.
"Meu diário..." ela sussurrou, a voz quase inaudível. "Elas... leram pra todo mundo..."
Meu sangue gelou. O diário dela. Eu sabia o quanto aquele pequeno caderno de capa rosa era importante para ela. Era onde ela guardava seus pensamentos mais secretos, seus sonhos, seus medos. A violação era muito mais profunda do que o vídeo mostrava. Era uma invasão da alma dela.
Aproximei-me e segurei sua mão. A pele dela estava fria.
"Bia," eu sussurrei. "Eu prometo. Eu vou fazer cada uma delas pagar. Elas vão se arrepender de terem nascido."
Peguei o uniforme escolar de Bia, que estava dobrado em uma cadeira. O cheiro dela ainda estava no tecido. Vesti-lo pareceu certo. Era como vestir uma armadura. Amanhã, a caçada começaria.