Minha mãe chegou na diretoria em menos de vinte minutos. Ela entrou na sala com a calma de uma rainha inspecionando seu território. Professora Lúcia estava lá, com um saco de gelo na bochecha, e o diretor parecia prestes a ter um colapso.
Minha mãe me olhou, depois olhou para a professora, e um pequeno, quase imperceptível, sorriso tocou seus lábios por uma fração de segundo. Foi um sinal de aprovação.
"Sua filha é um monstro! Ela me agrediu!" a professora gritou assim que viu minha mãe. "Ela precisa ser expulsa! Eu vou chamar a polícia!"
Minha mãe sentou-se na cadeira em frente à mesa do diretor, cruzou as pernas e olhou para a professora com uma frieza cortante.
"Um monstro, professora Lúcia?" ela disse, a voz suave, mas carregada de ameaça. "A senhora está falando da minha filha que tentou se matar por causa do bullying que a senhora e esta escola decidiram ignorar? Ou está falando da minha outra filha, que está aqui hoje, reagindo a esse mesmo bullying?" Ela se inclinou para frente. "A senhora deveria ter muito mais cuidado com a forma como descreve minhas filhas."
O diretor interveio, gaguejando. "Senhora, agressão a um professor é um crime sério! Teremos que levar isso ao conselho escolar, talvez até às autoridades..."
Minha mãe nem olhou para ele. Ela pegou seu celular, discou um número e falou por menos de um minuto. Sua voz era baixa, empresarial. Quando desligou, ela se virou para o diretor.
"Acabei de falar com um amigo que faz parte do conselho," ela disse com um sorriso doce. "Ele me informou que o conselho escolar acabou de receber uma doação anônima muito generosa para a construção do novo ginásio. Uma doação que pode ser retirada a qualquer momento." Ela fez uma pausa, deixando a informação ser absorvida. "Eles sugeriram que este... pequeno desentendimento... seja resolvido internamente. De preferência, com um pedido de desculpas da professora à minha filha pela negligência."
O rosto do diretor passou de vermelho para branco. A professora Lúcia abriu a boca para protestar, mas o olhar do diretor a silenciou. A raiva em seu rosto foi substituída por uma humilhação impotente. O poder havia mudado de mãos. O dinheiro falava mais alto que a moral.
Enquanto eu observava aquela cena, um pensamento triste me ocorreu. Bia deve ter tentado isso. Ela deve ter ido à professora Lúcia, ao diretor, pedindo ajuda. E eles a ignoraram, a descartaram, a culparam. Assim como fizeram comigo no início.
Então, uma outra compreensão me atingiu, mais profunda e mais dolorosa. Bia não nos contou toda a verdade, não apenas por vergonha. Ela estava nos protegendo. Ela sabia do que nossa família era capaz. Ela sabia sobre o nosso jardim e sobre os "ingredientes" que o faziam florescer. Ela escolheu sofrer em silêncio para nos impedir de usar nossos métodos. Ela tentou nos poupar de sermos os monstros que realmente éramos.
O sacrifício dela me encheu de uma tristeza sombria, mas também de uma determinação ainda maior. Ela tentou o caminho da luz e da bondade, e isso quase a matou. Agora, era a minha vez. E eu caminharia na escuridão.