Não era a escuridão do mar. Era o teto branco do meu quarto. A luz suave da manhã entrava pela fresta da cortina. Sentei na cama, o coração martelando contra minhas costelas com uma violência que doía. Meu pijama estava seco. Minha pele, quente.
Olhei para o celular na mesinha de cabeceira. A tela acendeu. Sexta-feira. Um dia antes da viagem.
A viagem.
Meu estômago gelou. A viagem de mergulho. O recife de corais. A Sra. Carla. Minha irmã, Luiza.
Um arrepio percorreu minha espinha. Não foi um pesadelo. A dor, o medo, o desespero de ser traída e deixada para morrer... tudo foi real demais. Eu tinha renascido.
A porta do meu quarto se abriu com um rangido suave.
"Ana, você já acordou?"
Era Luiza. Minha irmã mais nova, com seus olhos grandes e inocentes, um sorriso animado no rosto. O mesmo sorriso que ela tinha... antes.
Ela entrou saltitando, segurando um folheto colorido.
"Olha isso! A Sra. Carla acabou de mandar o roteiro final da viagem de Páscoa! Vai ser incrível! Imagina, um recife de corais inexplorado, só para a gente!"
Ela falava com a empolgação de uma criança, exatamente como da primeira vez. Naquela vida, sua animação me contagiou, me fez baixar a guarda. Agora, cada palavra dela era um alarme soando na minha cabeça.
Eu olhei para o folheto nas mãos dela. As cores vibrantes, as fotos de corais exóticos. Uma mentira bem embalada.
"Luiza, nós não vamos."
Minha voz saiu firme, sem emoção.
O sorriso dela vacilou.
"O quê? Como assim não vamos? Ana, é a viagem dos sonhos! E a sua chefe vai pagar tudo! Até para mim, que sou sua acompanhante!"
"Eu disse que não vamos. É perigoso."
Eu tentei soar calma, mas a memória da água invadindo minha garganta voltou com força. Eu não podia deixar aquilo acontecer de novo. Não com ela.
"Perigoso? De onde você tirou isso?" Luiza riu, um som que agora me parecia falso. "A Sra. Carla contratou a melhor equipe de mergulho da região. O folheto diz que a segurança é prioridade máxima. Você está sendo paranoica."
Ela balançou o papel na minha frente, como se aquelas palavras impressas fossem uma verdade absoluta. Ela estava cega pela promessa de aventura, ou... algo mais.
Meu olhar desceu para o pulso dela. Ali estava. Uma pulseira de prata com um pequeno pingente de coral. Eu não tinha notado da primeira vez.
"Pulseira nova?" , perguntei, minha voz baixa.
"Ah, isso?" Ela tocou o pingente, um brilho estranho em seus olhos. "Foi um presente. Um incentivo."
Um incentivo. A palavra me atingiu. Quem daria um incentivo para uma viagem de lazer? Minha chefe. Sra. Carla. A mulher que a usou para me levar para a morte. A suspeita começou a se formar, feia e escura, no fundo da minha mente. A insistência de Luiza não era apenas um capricho juvenil. Era parte de um plano.
"Eu não vou, Luiza. E você também não."
Levantei-me da cama, minha decisão inabalável.
"Isso significa que eu não vou autorizar sua participação. Fim de papo."
Eu era sua guardiã legal desde que nossos pais morreram. Uma responsabilidade que eu levei a sério, mas que ela, aparentemente, via como uma prisão.
O rosto dela se fechou. A inocência desapareceu, substituída por uma teimosia furiosa.
"Você não pode fazer isso comigo!"
"Eu posso e vou. Nós não vamos a lugar nenhum."
Eu estava determinada a cortar o mal pela raiz. Desta vez, a história seria diferente.