Passei os dias seguintes em um estado de luto público e planejamento privado.
Chorei na frente dos outros, recusei comida, me tranquei no quarto.
Mas quando estava sozinha com Sofia, eu era forte.
"Mamãe, por que o papai não quer mais ser o papai?", ela me perguntou uma noite, enquanto eu a colocava para dormir.
"Meu amor, algumas pessoas se perdem. Elas se esquecem de quem são. Mas não se preocupe. A mamãe nunca vai se esquecer de quem você é."
Eu a beijei na testa e reforcei a ideia.
"Seu papai, o verdadeiro, está no céu. Aquele homem na sala é o tio Pedro João. E ele é... complicado."
Eu precisava que Sofia entendesse a distinção. Era a segurança dela que estava em jogo.
Sabendo que não poderia ficar naquela casa por muito tempo, tomei uma decisão ousada.
Na minha vida passada, eu me agarrei ao título de "noiva de João Pedro" e depois "cunhada de Pedro João". Eu pensei que o status social me protegeria.
Fui uma tola.
Desta vez, eu abriria mão de tudo.
Usei uma das minhas poucas joias restantes para subornar um funcionário e conseguir uma audiência com o Comissário de Polícia, o mesmo homem que me olhou com pena quando eu ri na delegacia na minha vida anterior.
Fui ao encontro dele parecendo uma viúva devastada.
"Comissário", comecei, com a voz trêmula, "sei que isso vai parecer estranho, mas eu vim aqui para renunciar a tudo."
Ele me olhou, confuso. "Renunciar a quê, senhora?"
"A qualquer herança ou pensão que eu teria direito pela morte do meu noivo, João Pedro. Eu não quero nada da família dele."
O comissário ficou chocado. "Mas... por quê? A senhora tem uma filha. Precisa pensar no futuro dela."
"É exatamente por causa dela que estou fazendo isso", eu disse, as lágrimas escorrendo de verdade desta vez, lágrimas de medo e determinação. "A família do meu noivo... eles não são boas pessoas. A mãe dele, a cunhada... elas me culpam pela morte dele. Elas estão tornando minha vida um inferno."
Eu não mencionei a troca de identidade. Ele não acreditaria. Eu precisava de uma história plausível.
"Quero levar minha filha e ir embora. Começar de novo, em algum lugar onde elas não possam me encontrar. Mas tenho medo que eles tentem tomar Sofia de mim."
Eu me inclinei para a frente, em desespero.
"Comissário, eu não peço dinheiro. Eu não peço justiça pela morte do meu noivo. Eu só peço uma coisa: proteção. Um documento, uma ordem, qualquer coisa que me permita pegar minha filha e me mudar para outra cidade, e que garanta que a família do falecido não tenha direitos sobre ela. Em troca, eu desapareço. Eu abro mão de qualquer reivindicação futura. Eles podem ficar com a casa, com as supostas dívidas, com tudo."
Eu estava oferecendo a eles uma vitória fácil, em troca da minha liberdade. E estava fazendo do Comissário uma testemunha da minha "generosidade" e do meu "medo".
Ele me olhou por um longo tempo, avaliando.
"Isso é muito incomum, senhora. Mas... dada a sua disposição em abrir mão de tudo, vejo o seu desespero. Vou preparar uma declaração. Você assinará renunciando aos seus direitos, e eu emitirei uma ordem de proteção temporária para você e sua filha, baseada em seu relato de assédio familiar."
Era mais do que eu esperava.
"Obrigada, Comissário. O senhor não sabe o que isso significa para mim", eu disse, chorando de alívio.
Voltei para casa com uma nova esperança. O plano estava funcionando.
Mas ao chegar, encontrei Sofia chorando no corredor.
Dona Rosa a segurava pelo braço com força, o rosto vermelho de raiva.
"Essa menina é uma mentirosa! Fica dizendo que o filho dela é meu outro filho! Ela precisa de disciplina!", gritava a velha.
Corri até elas e arranquei Sofia dos braços dela.
"Não toque na minha filha!", gritei, a fúria me dominando.
Vi as marcas vermelhas no bracinho de Sofia.
Aquele foi o estopim.
Naquele momento, toda a minha hesitação desapareceu. Eu sairia daquela casa infernal o mais rápido possível.
"Estamos de saída, Dona Rosa. Para sempre", eu disse, com uma frieza que a assustou.
Levei Sofia para o quarto e comecei a arrumar nossas malas.
Mais tarde, João Pedro veio ao meu quarto. Ele tinha um sorriso complacente no rosto.
"Luz, eu conversei com Ana Lúcia e minha mãe. Decidimos permitir que você fique. Como uma governanta, talvez. Seria bom para Sofia ter a mãe por perto, mesmo que em uma posição mais... apropriada."
Ele estava me oferecendo um emprego de criada na minha própria casa. A humilhação era inacreditável.
"Não, obrigada, Pedro João", eu disse, sem olhar para ele, continuando a dobrar as roupas de Sofia.
"Não seja tola, Luz. Onde você vai? Você não tem dinheiro. Você não tem nada."
"Eu tenho minha filha. E isso é tudo que importa."
Ele se aproximou, o tom de voz mudando para algo mais sedutor e perigoso.
"Você não precisa ir. Nós podemos... chegar a um acordo. Você sempre foi uma mulher bonita. Podemos nos divertir, você e eu. Ana Lúcia não precisa saber de tudo."
O estômago se revirou. Ele era ainda mais nojento do que eu lembrava.
"Saia do meu quarto", eu disse, a voz baixa e tensa.
Eu estava prestes a fechar a mala quando ouvi vozes do lado de fora, no corredor.
Era João Pedro e Ana Lúcia. Eles pensavam que eu já tinha ido dormir.
Parei e colei meu ouvido na porta.
"Ela está sendo teimosa", disse João Pedro. "Ela quer ir embora."
A risada de Ana Lúcia foi como o som de vidro quebrando.
"Deixe-a ir. Será mais fácil nos livrarmos dela quando estiver na rua. Lembra como foi fácil da última vez?"
Meu sangue gelou. "Última vez?" O que eles queriam dizer?
"Sim", continuou João Pedro, a voz baixa e cheia de crueldade. "Na verdade, esta farsa toda é por sua causa, meu amor. Forjar minha morte para ficar com você foi a melhor ideia que já tive. Mas a Luz... ela sempre foi um empecilho."
"E a filha dela?", perguntou Ana Lúcia.
Houve uma pausa. A resposta de João Pedro me destruiu.
"Sofia? Ela não é minha filha."
O mundo pareceu parar de girar.
"O que?", sussurrou Ana Lúcia.
"Luz me traiu no início do nosso noivado. Eu sabia o tempo todo. A menina não é minha. Eu só a mantive por perto para ter uma desculpa para controlar a Luz e o dinheiro do dote dela. Na vida passada, foi tão fácil usar a 'ilegitimidade' dela para provar a 'promiscuidade' da Luz. Desta vez, podemos fazer o mesmo."
Eu levei a mão à boca, sufocando um soluço.
Era mentira. Uma mentira horrível e cruel.
Sofia era filha dele. Eu nunca, jamais, o traí.
Ele inventou a mentira mais vil que um homem poderia inventar para justificar sua crueldade.
E ele a usou na minha vida passada para tirar minha filha de mim.
Ele não era apenas um traidor e um ladrão.
Ele era um monstro.
As lágrimas que eu tinha prendido se transformaram em gelo nas minhas veias.
Não havia mais dor.
Apenas um vazio frio e uma sede de vingança tão intensa que me deixou sem fôlego.
Eles não iriam apenas pagar.
Eu iria aniquilá-los.
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