"Qual é o seu problema? Estamos falando da Mariana! Minha amiga de infância, quase uma irmã para mim!", ele mentiu descaradamente, levantando a voz para que os outros pudessem ouvir, pintando-se como o homem leal e preocupado.
"Quase uma irmã?", repeti, com um sorriso sem humor. "É assim que você a chama agora?"
O pânico brilhou em seus olhos por uma fração de segundo antes que ele o mascarasse com indignação.
"Do que você está falando? Você está insinuando alguma coisa?"
"Eu não estou insinuando nada, João Pedro, estou afirmando", eu disse, mantendo meu olhar fixo no dele. "Nós não vamos esperar, o voo vai sair agora, com ou sem a Mariana."
"Você não pode tomar essa decisão sozinha!", ele rosnou, a imagem de bom moço se desfazendo. "Nós somos um grupo!"
Ele se virou para as outras pessoas, que observavam nossa discussão com uma mistura de curiosidade e ansiedade.
"Vocês ouviram isso?", ele disse, apontando para mim. "Minha própria esposa quer abandonar uma de nós para trás! Uma mulher sozinha, em uma cidade em colapso! Que tipo de pessoa faz isso?"
Algumas pessoas começaram a murmurar, seus olhares se tornando hostis.
A tática de manipulação dele estava funcionando, assim como na primeira vez.
Mas eu não era mais a mesma mulher.
"Ela não está sozinha", eu disse em voz alta, para que todos ouvissem. "Ela está com o amante dela, que por acaso é meu marido."
Um silêncio chocado caiu sobre o grupo.
O rosto de João Pedro ficou pálido, depois vermelho de raiva.
"Você enlouqueceu!", ele sibilou.
Antes que a multidão pudesse se virar completamente contra mim, um homem de uniforme, o responsável pela equipe de resgate, se aproximou.
"Senhoras e senhores, este é o aviso final", ele disse, sua voz firme e autoritária. "O portão de embarque fechará em cinco minutos, quem não estiver a bordo ficará para trás, não haverá outra chance."
A urgência em sua voz cortou a tensão, as pessoas começaram a se mover, pegando suas bagagens e correndo em direção ao avião.
"Cinco minutos!", João Pedro zombou, olhando para o responsável com desdém. "Você acha que pode nos dar ordens? Eu paguei por este voo! Ele não vai a lugar nenhum sem a minha permissão!"
Ele estava blefando, tentando parecer mais poderoso do que era, tentando convencer a si mesmo e aos outros de que ainda estava no controle.
"Senhor, suas contribuições foram anotadas, mas esta é uma operação de emergência sancionada pelo governo, eu tenho autoridade final aqui", respondeu o homem calmamente, sem se intimidar. "Cinco minutos."
Enquanto João Pedro continuava a discutir, eu me afastei discretamente.
Peguei meu celular e disquei um número que sabia de cor.
"Tio Roberto?", eu disse, minha voz baixa e urgente. "Sou eu, Ana Beatriz, eu preciso de um favor."
Meu tio Roberto, irmão da minha mãe, era um homem poderoso e com muitos contatos, ele me adorava.
Expliquei a situação rapidamente, omitindo a parte da minha "ressurreição", claro.
"Deixe comigo, minha querida", ele disse, sem hesitar. "Vou preparar um jato particular para você, ele estará aí o mais rápido possível, não se preocupe com nada."
Desliguei o telefone, sentindo uma onda de alívio.
Eu tinha um plano B.
Nesse momento, vi Mariana chegando, correndo pelo saguão, com suas sacolas de compras balançando.
Ela correu diretamente para os braços de João Pedro, ignorando completamente a minha presença.
"Ah, João, querido! Eu consegui! Achei que não fosse chegar a tempo!", ela disse, ofegante, beijando-o no rosto, um gesto muito mais íntimo do que o de uma "quase irmã".
João Pedro a abraçou com força.
"Eu nunca iria sem você", ele sussurrou, alto o suficiente para que eu ouvisse.
Eles se viraram para o portão de embarque, sorrindo, vitoriosos, como se tivessem ganhado uma grande batalha.
Foi então que o som metálico e alto da porta do avião se fechando ecoou pelo saguão.
E logo em seguida, o som dos motores da aeronave ganhando potência.
O avião começou a se mover na pista.
Eles olharam, incrédulos, para a aeronave que os levaria para casa, partindo sem eles.