Além da Maldição
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Capítulo 1

Meu nome é Sofia, e minha vida mudou no dia em que meu pai desapareceu. Ele era um cientista renomado, um homem que vivia imerso em seu trabalho, mas que sempre encontrava tempo para mim e para minha mãe.

Minha mãe, Helena, também era pesquisadora, mas abandonou a carreira há alguns anos, quando os primeiros sinais da doença apareceram. Uma condição rara, que passava de geração em geração em nossa família, uma espécie de maldição silenciosa que consumia a mente e o corpo lentamente.

Nos últimos tempos, a doença de minha mãe havia piorado. Ela passava os dias em um silêncio profundo, sentada na poltrona da sala, com o olhar perdido no vazio. Suas palavras eram raras, e quando vinham, eram fragmentadas, como ecos de um mundo que só ela conseguia ver.

Naquela manhã, algo estava diferente. O ar na casa parecia pesado, carregado de uma tensão que eu não conseguia explicar. Minha mãe, que normalmente mal se movia, estava de pé perto da janela, seus dedos finos pressionados contra o vidro frio.

Ela se virou para mim, e seus olhos, geralmente opacos e distantes, tinham um brilho estranho, uma urgência que me assustou.

"O tempo está se esgotando."

Sua voz era um sussurro rouco, quase inaudível, mas cada palavra pesava como uma pedra.

Fiquei paralisada por um instante, o coração batendo descontrolado no peito. Não era a primeira vez que ela dizia coisas assim, frases soltas que pareciam profecias, mas nunca com aquela intensidade.

Meu pai, Artur, entrou na sala, com sua maleta na mão, pronto para ir para o laboratório. Ele era um homem metódico, um viciado em trabalho que raramente se desviava de sua rotina.

Ele parou ao ver a expressão de minha mãe.

"Helena? O que foi?"

Minha mãe se moveu em direção a ele, com uma agilidade que eu não via há anos. Ela agarrou o braço dele, suas unhas cravando levemente no tecido do paletó.

"Não vá hoje, Artur. Por favor."

Meu pai olhou para ela, depois para mim, uma expressão de confusão e preocupação em seu rosto. Ele raramente, ou melhor, nunca, faltava ao trabalho. Para ele, cancelar um dia no laboratório era quase um sacrilégio.

"Querida, eu preciso ir. Estou na fase final de um projeto importante."

"O tempo está se esgotando", ela repetiu, a voz tremendo. "Ele vai acabar."

Meu pai hesitou. Ele amava minha mãe profundamente, e a dor em seus olhos era visível. Ele colocou a maleta no chão e a abraçou.

"Tudo bem, Helena. Eu fico. Vou ligar para o laboratório e dizer que não vou hoje."

Eu senti um alívio imenso. Foi a primeira vez em muito tempo que o vi colocar algo acima de seu trabalho. Ele passou o dia conosco. Vimos filmes antigos, comemos pipoca, e por algumas horas, fomos uma família normal de novo. O olhar de minha mãe parecia mais calmo, quase sereno.

Na manhã seguinte, meu pai se levantou cedo. Ele me deu um beijo na testa enquanto eu ainda estava sonolenta.

"Preciso mesmo ir hoje, filha. Mas vou voltar cedo para o jantar, prometo."

Eu apenas murmurei um "tá bom" e voltei a dormir.

Foi a última vez que o vi.

Quando acordei, a casa estava em silêncio. Minha mãe estava de volta à sua poltrona, o olhar novamente perdido. A promessa do jantar nunca foi cumprida. As horas passaram, a noite caiu, e meu pai não voltou.

Liguei para o celular dele dezenas de vezes. Caixa postal. Liguei para o laboratório. Ninguém o tinha visto o dia todo. O pânico começou a se instalar em meu peito, frio e pesado.

Naquela noite, a polícia veio. Dois detetives, um mais velho e cansado, outro mais jovem e ansioso. Eles fizeram perguntas que eu não sabia responder.

"Ele tinha inimigos, Sra. Sofia?"

"Não que eu saiba. Meu pai era um homem dedicado à ciência."

"Algum comportamento estranho ultimamente? Dívidas? Problemas?"

Hesitei. Lembrei-me das noites em que o ouvia andando pela casa, dos papéis que ele escondia rapidamente quando eu entrava em seu escritório, da menção a uma "fórmula secreta".

"Ele estava... preocupado. Trabalhando muito."

Eles foram ao escritório dele. Estava revirado, mas não de uma forma violenta. Parecia que alguém procurava algo com pressa. Gavetas abertas, papéis espalhados pelo chão. Em cima da mesa, um único bilhete, com a caligrafia apressada de meu pai.

Continha apenas três frases.

"A fórmula é a chave. A maldição é real. O tempo está se esgotando."

E abaixo, um aviso que gelou meu sangue: "Não confie em ninguém. Nem mesmo na família."

Os detetives olharam para o bilhete, depois para mim.

"O que isso significa, Sofia?"

Eu não sabia. Mas sabia que aquilo era o começo de tudo. Eles também interrogaram minha mãe. Ela permaneceu em silêncio, impassível. Seus olhos não demonstravam nada. Para a polícia, ela era apenas uma mulher doente, mergulhada em sua própria névoa. Para mim, seu silêncio era ensurdecedor. Ela sabia de algo.

Naquela noite, depois que a polícia foi embora, eu me sentei no chão do escritório do meu pai, cercada por seus livros e anotações. A frase "o tempo está se esgotando" ecoava em minha mente, conectando o aviso de minha mãe ao bilhete de meu pai.

Eu não era mais apenas uma filha. Eu era a única pessoa que poderia descobrir a verdade. A busca havia começado.

            
            

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