Com o coração partido e o corpo fraco, Maria realizou um funeral. Na solidão do barracão, ela embalou seu próprio ventre, cantando baixinho as canções de ninar do samba que sua avó cantara para ela. Ela rasgou um pedaço de seu vestido e o dobrou cuidadosamente, como se fosse a mortalha de seu bebê. Foi um ritual silencioso, um funeral simbólico para uma vida que nunca teve a chance de começar. A dor era tão profunda, tão absoluta, que transcendia as lágrimas.
Foi no meio desse luto silencioso que a porta do barracão foi arrancada de suas dobradiças. A luz do dia a cegou momentaneamente. A silhueta de João se materializou na entrada.
"Levante-se", ele ordenou, a voz desprovida de qualquer emoção.
Maria não se moveu. O que mais ele poderia tirar dela?
"Sofia entrou em trabalho de parto", ele disse, a impaciência crescendo em seu tom. "Ela está fraca. O curandeiro disse que ela precisa de uma grande fonte de energia para sobreviver ao parto. Ela precisa da energia da Phoenix."
Maria o encarou, o absurdo da situação quase a fazendo rir. Um riso seco e quebrado escapou de seus lábios.
"A Phoenix está morta", ela disse, a voz rouca. "Você a matou."
João se aproximou e a agarrou pelo braço, forçando-a a se levantar. A força dele era brutal.
"Não minta para mim!", ele gritou em seu rosto. "A Phoenix é um espírito ancestral, não pode morrer! Está aí dentro, com esse seu bastardo. Dê-me a energia dela agora!"
Maria olhou para o ventre dele, para o lugar onde seu filho não existia mais. Com um movimento lento, ela pegou a pequena fantasia que havia conseguido bordar em segredo, antes de tudo, usando fios de seu próprio cabelo e pedaços de tecido que guardava. Era minúscula, feita para um recém-nascido. Ela a estendeu para ele.
"Ele está morto, João. Este era o manto dele."
João olhou para a pequena peça de roupa e riu. Uma gargalhada alta e desdenhosa.
"Morto? Esse bastardo não pode estar morto! A Phoenix é poderosa, ela pode até trazer os mortos de volta! Você está tentando me enganar!", ele a sacudiu com força. "Se algo acontecer com a Sofia ou com o meu herdeiro, eu juro, vou destruir cada tijolo da sua comunidade! Vou queimar suas casas e salgar a terra onde dançavam!"
Ele a arrastou para fora do barracão, para o salão principal da escola de samba. O lugar, antes vibrante e cheio de vida, estava agora silencioso e sombrio. Os membros restantes da comunidade de Maria estavam encurralados em um canto, vigiados por homens armados. Seus rostos estavam marcados pelo medo e pela exaustão.
"Dê-me a energia!", João rosnou, empurrando-a para o centro do salão.
"Eu não tenho mais nada para dar", Maria sussurrou, a verdade pesando em suas palavras. A energia que ela usara para salvar o Carnaval, a maldição da qual ela secretamente salvara João meses atrás, e a dor de perder seu filho a haviam deixado vazia.
João não quis ouvir. A loucura em seus olhos era completa. Ele sacou uma faca.
"Se você não me der por bem, eu vou tirar por mal."
Ele avançou. A lâmina brilhou sob a luz fraca.
"Não!", uma voz gritou.
Clara, a jovem assistente de Maria, que a via como uma irmã mais velha, se jogou na frente dela. Clara era jovem, mal passava dos dezessete anos, mas sua lealdade era inabalável.
"Pare, por favor!", ela implorou a João. "Ela está dizendo a verdade! Eu a vi! Eu a senti! A Phoenix se foi! Ela está vazia!"
João a olhou com um desprezo gelado.
"Saia da minha frente, garota tola."
"Não! Eu não vou deixar você machucá-la!", Clara gritou, com os braços abertos, protegendo Maria. "Você já tirou tudo dela! O filho dela... ele..."
A paciência de João se esgotou. Com um movimento rápido e cruel, ele não atacou Maria. Ele se virou para Clara. O som da lâmina cortando o ar foi seguido por um grito agudo de dor.
Clara caiu de joelhos, olhando incrédula para suas próprias mãos. Ou para onde elas costumavam estar. João, com uma crueldade impensável, havia cortado as duas mãos da menina. O sangue jorrou, manchando o chão do salão sagrado.
O horror paralisou a todos. O grito de Clara ecoou no silêncio chocado.
Maria, ignorando sua própria fraqueza, sua própria dor, se arrastou até a menina que sangrava.
"Clara! Clara!", ela chorou, tentando estancar o sangue com pedaços de seu próprio vestido. O desespero a consumia. Ela era uma curandeira, uma líder, mas agora estava impotente.
Ela olhou para João, o homem que um dia amou, e viu um monstro. Um monstro que ele mesmo havia criado, alimentado por poder e pela veneno de Sofia.
"Seu animal!", ela gritou, a voz cheia de uma fúria que ela não sabia que possuía. "Olhe o que você fez!"
João nem sequer olhou para a garota mutilada no chão. Seus olhos estavam fixos em Maria, sua obsessão intacta.
"Isso é só o começo", ele disse, a voz terrivelmente calma. "A energia, Maria. Agora."