Rainha do Samba Renasce
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Capítulo 3

"A Phoenix está morta", Maria repetiu, a voz firme apesar da dor que rasgava seu peito ao ver Clara se contorcendo no chão. "Você não acredita em mim? Olhe nos meus olhos, João. O que você vê? Não há mais luz. Você a apagou."

Mas a obsessão de João era uma parede impenetrável para a razão. A vida de Sofia e de seu suposto herdeiro era a única coisa que importava em sua mente distorcida.

"Mentiras!", ele gritou, a veia em sua testa pulsando. "Você está protegendo-a! Se ela está morta, então por que você ainda está viva? Uma Rainha do Samba não sobrevive sem o seu espírito! Você vai me dar o que eu quero, ou todos eles morrem. Começando pelo mais velho."

Seus homens agarraram o Mestre-Sala, o mesmo que fora torturado dias antes. Ele era um homem de setenta anos, cujas pernas já não tinham a mesma agilidade para o samba, mas cuja sabedoria guiava a comunidade.

Maria sentiu uma onda de náusea. Ela se lembrou de como foi ela quem convenceu a comunidade a apoiar João quando ele quis se tornar o Rei. Ela se lembrava de ter argumentado em seu favor, de ter dito que ele tinha um bom coração, que ele amava o Carnaval tanto quanto eles. Ela havia garantido a lealdade deles a ele. E agora, essa mesma lealdade os estava levando para a morte.

A ironia era um veneno amargo em sua boca. O poder que ela lhe dera estava sendo usado para aniquilá-la e a tudo o que ela amava.

"João, pare", ela implorou, a voz baixa e tensa. "Não faça isso. A culpa é sua. A maldição que cairá sobre esta cidade será por sua causa, não minha."

João riu.

"A única maldição aqui é você."

Ele fez um sinal para seus homens.

Os gritos de Sofia ecoaram de um quarto nos fundos do salão, um som agudo e desesperado. Para João, era o catalisador final. Sua loucura atingiu o pico.

"Você ouviu isso? É a sua culpa!", ele berrou para Maria. "Cada dor que ela sente, sua gente sentirá em dobro!"

Ele não esperou mais. Ele não deu mais avisos. A violência se tornou sistemática, fria e brutal. Ele caminhou até o primeiro membro da comunidade, um jovem percussionista cujo único crime foi ser leal a Maria. Com um movimento rápido da faca, ele cortou a garganta do rapaz.

O corpo caiu no chão com um baque surdo. Um grito coletivo de horror subiu dos outros, mas foi rapidamente silenciado pelo olhar ameaçador dos capangas de João.

Um por um.

Ele se moveu pelo grupo como um anjo da morte. A costureira-chefe, uma senhora que ajudou Maria a criar suas primeiras fantasias. O compositor dos sambas-enredo, um poeta cuja alma vivia em suas letras. Um jovem casal de passistas que havia se apaixonado durante o último Carnaval.

Ninguém foi poupado. O salão sagrado, palco de tantas alegrias e celebrações, transformou-se em um matadouro. O chão de madeira polida ficou escorregadio com o sangue daqueles que Maria considerava sua família.

Ela assistiu, paralisada pelo horror, cada vida sendo extinta diante de seus olhos. Cada morte era um golpe em sua alma já destroçada.

O clímax da carnificina foi a execução do Mestre-Sala. João o arrastou para o centro do salão, para o lugar exato onde ele e Maria haviam dançado incontáveis vezes, seus corpos se movendo em perfeita harmonia.

"Este homem", disse João, a voz ressoando no silêncio aterrorizado, "representa a velha guarda. A tradição que você, Maria, corrompeu com sua bruxaria. Hoje, nós purificamos o samba."

Ele forçou o velho a se ajoelhar. O Mestre-Sala não chorou nem implorou. Ele apenas olhou para Maria, e em seus olhos, ela não viu medo, mas uma profunda tristeza e uma despedida silenciosa.

João ergueu a faca. Mas em vez de um corte rápido, ele o profanou. Ele cortou os pés do velho, os pés que haviam honrado o samba por mais de cinquenta anos. O grito do homem foi abafado pela mão de um capanga.

Maria fechou os olhos, mas não conseguiu apagar a imagem. O som. O cheiro.

Quando ela abriu os olhos novamente, o Mestre-Sala estava morto, seu corpo jogado de lado como um boneco quebrado. O salão estava em silêncio, exceto pelo som do gotejar de sangue e pelos gemidos abafados de Clara.

Todos estavam mortos. Sua comunidade inteira. Aniquilada.

Algo dentro de Maria se quebrou. Ou talvez, algo novo e terrivelmente forte nasceu daquelas cinzas de dor. O luto se transformou em uma brasa incandescente de ódio. A tristeza deu lugar a uma sede de vingança tão pura e absoluta que clareou sua mente.

Ela se levantou, o corpo tremendo não mais de fraqueza, mas de uma fúria contida. Seus olhos, antes vazios, agora queimavam com uma luz escura. Ela olhou para João, que estava de pé no meio da carnificina, o peito arfando, coberto de sangue.

"João", ela disse, e sua voz não era mais a de uma vítima. Era a voz de uma juíza. "Que os deuses e os espíritos do samba sejam minhas testemunhas. Você tirou meu filho. Você tirou minha família. Eu juro, pelo sangue deles que mancha este chão, que eu vou te caçar. Eu vou arrancar tudo de você. Sua coroa, seu poder, sua amada Sofia, seu precioso herdeiro. E quando você não tiver mais nada, eu vou garantir que sua morte seja lenta e que sua alma jamais encontre descanso."

O juramento pairou no ar, pesado e irrevogável. Por um instante, até mesmo a loucura de João pareceu recuar diante da intensidade da promessa de Maria.

            
            

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