Capítulo 2 2

CAPÍTULO UM

EMMA

11 anos de idade

Nunca mais andei sem apoio.

Mas as coisas melhoraram. Como Danilo havia prometido.

Na primeira semana após acordar do coma, consegui mover os braços e a sensibilidade voltou à parte superior do corpo. Meus braços estavam mais fracos do que antes, mas os médicos me garantiram que recuperariam a força anterior com o treinamento e à medida que meu corpo se recuperasse do acidente e das cirurgias. A parte inferior do meu corpo não se recuperou da mesma forma, por mais que eu quisesse e por mais que minha mãe rezasse. Ela sempre me dizia que era temporário, e eu acreditava nela. Eu precisava acreditar nela.

Assim que me senti forte o suficiente, Danilo e uma enfermeira me ajudaram a subir na cadeira de rodas. Mamãe começou a chorar quando me viu nela e saiu do quarto com uma desculpa resmungando. Olhei para o meu irmão, que segurava as alças, com uma expressão de pedra. Seus olhos encontraram os meus, e ele me deu um sorriso forçado.

- Eu não quero ficar numa cadeira de rodas, Danilo.

Eu quero andar como antes. Eu vou andar de novo, né?

Danilo me encarou por um longo tempo, um músculo do maxilar se contraindo, o único movimento em seu rosto, antes congelado. A enfermeira olhou para mim e para ele, franzindo as sobrancelhas. Ela tocou meu braço e eu olhei em seus olhos azuis gentis.

- Eu sei que é muita coisa para assimilar, Emma. E é um pouco assustador, mas uma cadeira de rodas não é sua inimiga. Ela vai te ajudar a ir aonde quiser. Existem cadeiras de rodas para todas as atividades. Elas são leves e ágeis. Você pode praticar esportes com elas e fazer uma curva em U rápida. Você será mais rápida que seu irmão se tiver a cadeira de rodas certa. E se preferir mais apoio, pode até comprar uma cadeira de rodas elétrica. Aí você pode controlála com um único dedo. Não é legal?

Eu sabia que ela estava tentando me animar, fazer com que minha situação parecesse menos assustadora, mas eu não queria saber nada sobre cadeiras de rodas. Queria que minhas pernas me levassem aonde eu precisasse ir. Ela apertou meu ombro com um sorriso compassivo.

- Quando seus braços estiverem um pouco mais fortes, trago uma das nossas cadeiras de rodas mais leves para você se acostumar, ok?

Assenti levemente. Assim que ela saiu da sala, lancei um olhar suplicante para o meu irmão.

- Não quero me acostumar com uma cadeira de rodas, Danilo. Quero minhas pernas. Por favor.

Danilo contornou a cadeira e se agachou diante de mim. Ele segurou minhas mãos. - Farei tudo o que puder, Emma, para te ajudar. Procurarei terapias e médicos no mundo todo que possam te ajudar, mas quero que você esteja preparada. Quero que você aprenda a usar uma cadeira de rodas, e comprarei as melhores cadeiras de rodas até encontrar uma que goste.

Desviei o olhar. Por que ele não podia mentir como a mamãe? Por que ele não podia dizer que um dia eu voltaria a andar?

***

Eu tinha dificuldade para manobrar as rodas. Elas pareciam presas. Meus dedos doíam de tanto tentar movêlas. A cadeira de rodas não era fácil de dirigir. Não era leve.

- Não funciona!

Lágrimas de raiva e frustração queimaram em meus olhos depois de dez minutos tentando mover a cadeira de rodas leve que a enfermeira havia me trazido para praticar.

- Acho que você acionou o freio sem querer. - Ela puxou uma alavanca no volante, e eu consegui mover a cadeira de rodas para frente, mas, ao tentar movê-la para além da cama, a roda prendeu em uma das pernas. Deixei as mãos caírem no colo, apertando os lábios com firmeza.

Danilo estava encostado no parapeito da janela e observava tudo com uma expressão estoica. Mamãe não suportava me ver em uma cadeira de rodas, então foi para o refeitório com seu guarda-costas.

- Preciso ir ao banheiro, - eu disse sem emoção.

- Você gostaria que eu ou seu irmão te ajudássemos? Talvez fosse bom se ele aprendesse a te ajudar até que você consiga fazer isso sem ajuda.

Meus olhos se arregalaram de horror, e Danilo se endireitou com uma expressão de choque, arrancado da calma controlada que sempre demonstrava perto de mim. Ele rapidamente disfarçou a situação e assentiu lentamente.

Balancei a cabeça. - Não. Não quero que o Danilo me ajude. - Minha voz falhou.

- Talvez sua mãe? - A boca de Danilo se estreitou.

- Ela não vai aguentar, - eu disse. A mamãe tinha que cuidar do papai, o que já era incrivelmente difícil para ela.

A enfermeira pareceu perdida. - Bem, sua família planeja levá-la para casa em uma semana, então precisamos descobrir como ajudá-la. - Ela olhou para Danilo. - Você contratou uma enfermeira particular para ela?

Danilo franziu o cenho. - Nossa situação é especial.

Não gostamos de estranhos em casa.

- Então você vai ter que ajudá-la. No momento, ela ainda não consegue fazer isso sozinha.

Danilo caminhou em minha direção, mas eu balancei a cabeça.

- Não! - Eu não queria que meu irmão me ajudasse a me despir para eu poder fazer xixi. Eu não queria que ele me levantasse no vaso sanitário. Eu preferia voltar a usar um cateter antes de deixar que ele me ajudasse.

Danilo me olhou, mas percebi que ele não sabia o que fazer. Meu desespero aumentou ao vê-lo indefeso. Meu irmão mais velho e forte. Engoli em seco.

- Vou treinar todos os dias para conseguir fazer isso sozinha.

- Você vai para casa em apenas uma semana, a menos que sua família mude de ideia. Seu corpo ainda precisa se curar muito, Emma.

Ela se aproximou de Danilo, e a expressão dele se tornou dura. - Escute, eu não sei nada sobre o seu mundo. Mas sei que sua irmã vai precisar de ajuda no começo. O corpo dela passou por muita coisa. As cicatrizes dela precisam sarar, por dentro e por fora. Se ela fizer demais, cedo demais, pode ter um revés. Ou você contrata alguém que a ajude, ou alguém da sua família precisa fazer isso. Existem maneiras de preservar o recato, se isso for uma preocupação. - Ela fez uma pausa. - E sua irmã precisa de um terapeuta. Ela precisa de terapia de luto para lidar com o que perdeu.

Engoli em seco. No nosso mundo, as pessoas não falavam em fazer terapia. Buscar ajuda para problemas mentais te fazia parecer fraco. Mas, naquele momento, eu me sentia fraca - de corpo e mente.

Aceitar o que eu havia perdido... será que eu conseguiria? Porque às vezes parecia que eu havia perdido demais para suportar.

- Minha família vai cuidar disso, - Danilo respondeu secamente.

Tentei mover a cadeira de rodas para trás e finalmente consegui desengatá-la. Meu caminho até o banheiro foi lento, e meus braços e mãos cansaram rapidamente. As partes do meu corpo que eu conseguia sentir doíam, apesar da medicação para dor. Uma vez dentro do banheiro, congelei. Não tinha forças para me içar da cadeira de rodas e me sentar no assento do vaso sanitário. Não conseguia nem despir a parte inferior do corpo sem ajuda. Eu tinha que levantar os quadris para tirar a calça de moletom e a calcinha, e isso simplesmente não era uma opção, ainda.

Danilo entrou. Lutei contra a vontade de mandá-lo embora, mas perdi a luta contra as lágrimas de frustração e vergonha. Ele se aproximou e tocou meu ombro.

- O que posso fazer? - Sua voz transbordava controle absoluto, mas eu podia ver a tensão em seus olhos.

- Se você me segurar pelas axilas e me levantar, eu posso tentar abaixar as calças. - As enfermeiras sempre faziam isso, então eu não tinha certeza se conseguiria fazer sozinha. - Aí você vai ter que me colocar no vaso sanitário.

Fechei os olhos, odiando cada momento daquilo.

- Vou machucá-la? - perguntou Danilo à enfermeira.

- Vou dar uma olhada, mas já faz cinco semanas desde as cirurgias, então tudo deve ficar bem, desde que você se mova devagar e com cuidado.

Abri os olhos e vi Danilo olhando para o meu rosto com extrema preocupação. Ele me agarrou pelas axilas e me levantou alguns centímetros da cadeira de rodas. Doeu, principalmente nos quadris e ombros, mas consegui conter um gemido.

Abaixei os braços e tentei empurrar minha calça de moletom, mas o cós dificultava. Eu não conseguia fazer força suficiente por causa da minha posição desconfortável e dos músculos cansados. Eventualmente, a enfermeira teve que ajudar, e Danilo me colocou no assento do vaso sanitário. Os dois saíram, mas levei vários minutos até finalmente conseguir me soltar.

Não chamei o Danilo imediatamente quando terminei. Senti raiva do meu corpo por ter falhado comigo, raiva do homem que causou o acidente e raiva dos médicos que não puderam me ajudar. Mas, acima de tudo, me senti completamente desolada e triste. Nada jamais seria como costumava ser. Como um terapeuta poderia mudar alguma coisa? Eles me fariam esquecer a realidade?

- Emma? - chamou Danilo.

- Entre. - Minha voz saiu baixa, e as lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto. Não levantei os olhos quando Danilo entrou. Seus sapatos apareceram no meu campo de visão. Ele me agarrou e me içou para cima. Consegui levantar a calça de moletom para que ela me cobrisse. Danilo me colocou na cadeira de rodas. Fui até a pia e consegui abrir a torneira enquanto Danilo me observava.

Lavei as mãos e me recostei na cadeira.

- Progresso, - disse a enfermeira com um sorriso. Não retribuí o sorriso.

Por fim, ela foi embora. Danilo me empurrou de volta para o quarto e se agachou diante de mim novamente.

- Emma, você é forte. Em breve, você conseguirá fazer isso sozinha, mas enquanto não conseguir, não me importo de te ajudar, ok? - Olhei em seus olhos e assenti levemente.

***

Quatro semanas depois de acordar do coma, voltei para casa contra a recomendação dos médicos. Eles achavam que eu deveria ir para uma clínica de reabilitação, mas Danilo e meu pai não estavam confiantes de que poderiam garantir minha proteção lá. Todas as minhas sessões de terapia seriam realizadas em casa ou Danilo me levaria até lá.

Quando finalmente cheguei em casa, alguma sensibilidade havia retornado às minhas pernas. No início, era principalmente um formigamento, como a sensação de sentir algo voltando para os seus membros depois de adormecer, só que minhas pernas não "acordaram", e o formigamento parecia mais uma picada incômoda. Apesar das noites sem dormir que essa picada insistente causou no início, era melhor do que a dormência dos primeiros dias e semanas. Áreas completamente dormentes permaneceram, como meus dedos dos pés, e minhas panturrilhas só sinalizavam uma espécie de pressão quando eu colocava meu peso sobre elas ou algo muito pesado repousava sobre elas.

Fora isso, elas não registravam o toque.

Minha casa não parecia mais um lar, porque eu não conseguia nem chegar ao meu quarto no andar de cima sem que alguém me carregasse até lá. Eu não conseguia usar o banheiro sem ajuda, porque ainda não havia puxadores. As pias eram altas demais para eu alcançar sentada na cadeira de rodas. A lista era longa. Aparentemente, minha mãe não queria que a casa fosse acessível, porque isso equivaleria a aceitar que eu teria que usar uma cadeira de rodas para sempre. Meu pai já estava doente demais para se dar ao trabalho de se envolver na discussão. Mas uma semana depois do meu retorno, Danilo perdeu o controle.

- Como Subchefe desta cidade, minha palavra é lei, Mãe, para você e para todos os outros, e tomei a decisão de transformar esta casa em um lugar onde Emma se sinta bem-vinda. Amanhã, os profissionais chegarão e começarão seu trabalho.

Mamãe ficou em silêncio, atordoada, e eu me senti aliviada. Os últimos dias tinham sido uma série de coisas que eu não podia fazer porque não conseguia alcançá-las com minha cadeira de rodas. Isso me fez sentir excluída e desamparada, ainda mais do que no hospital.

Depois que o elevador foi instalado e todo o resto ficou acessível, eu podia me movimentar pela casa sem ajuda constante. Tudo ainda demorava muito, e as prateleiras continuavam fora do meu alcance, mas eu sentia que havia recuperado um pouquinho da minha liberdade. Claro, mamãe ou Danilo estavam sempre em casa, mas eu me sentia um pouco mais como era antes.

Todos os dias, alguém vinha fazer fisioterapia e massagens comigo e, com o tempo, até um terapeuta me visitou para me ajudar a lidar com a situação. Apesar da aversão de Danilo a estranhos na casa, a Outfit simplesmente não tinha alguém especializado em ajudar alguém com o meu tipo de lesão na coluna.

Eles eram as únicas pessoas que eu via, além dos guarda-costas, da minha família e dos médicos. Danilo queria que eu ficasse longe dos olhos do público até que eu me sentisse mais forte.

Às vezes me perguntava se meu estado mental era o único motivo de eu passar os dias em casa.

Eu não sabia o quanto da minha condição era de conhecimento público. Muitos dos meus amigos mandaram mensagens nas primeiras semanas depois que acordei, mas logo ficou óbvio que a curiosidade deles era o motivo, e não preocupação ou amizade verdadeira.

Por fim, quando não revelei mais nada sobre minha condição, a maioria parou de mandar. Do meu grupo de amigos em Indianápolis, só restava minha melhor amiga, Giorgia. Ela, no entanto, me tratou como se nada tivesse acontecido.

Quando ela me visitou pela primeira vez, duas semanas depois da minha alta do hospital (Danilo não tinha permitido que ela me visse antes), ela passou direto pelo meu irmão preocupado e me abraçou forte como se nada tivesse mudado. Sua juba ruiva e cacheada fez cócegas no meu rosto. Ela se afastou e sorriu para mim, depois olhou para a cadeira de rodas elétrica em um canto do saguão. Eu quase nunca a usava.

- Posso experimentar? Quero saber como é para você. - Ela fez uma careta e inclinou a cabeça, seus olhos azuis brilhando de preocupação. - Foi grosseria? Minha mãe disse que eu deveria tomar cuidado para não ser grosseira, mas somos amigas há muito tempo. Quer dizer, você sabe como eu sou.

Caí na gargalhada pela primeira vez desde o acidente. - Você é você, Giorgia, e não quero que aja diferente.

Giorgia sentou-se na cadeira de rodas elétrica com a língua presa entre os lábios enquanto tentava entender como funcionava. Eu preferia a agilidade da minha cadeira de rodas manual. Danilo estava a alguns passos de nós. Ele ficava muito tempo no mesmo lugar durante o dia, o que significava que tinha que trabalhar à noite. Eu não tinha certeza de quando ele dormia. Giorgia soltou um gritinho quando a cadeira de rodas subitamente avançou, e ela quase colidiu com meu irmão. Ele arqueou uma sobrancelha para ela.

Ri de novo. O som parecia estranho, e minhas costelas doeram de verdade.

- Nossa, essa coisa é rápida. - Ela girou o joystick e a cadeira se moveu para a direita, quase batendo na escada. Ela me lançou um olhar arregalado. - Isso é feito para corrida?

Mordi o lábio e balancei a cabeça. - É preciso prática, mas eu prefiro esta cadeira. - Dei um tapinha na minha cadeira leve e ágil. Ela levou a cadeira de volta para o canto e se levantou.

Senti uma pontada e tive que engolir em seco.

A expressão de Giorgia se fechou, seus olhos se suavizaram. Acho que meu rosto demonstrava o quanto a visão dela simplesmente saindo da cadeira de rodas me magoou, porque nunca seria assim para mim. Meu fisioterapeuta havia me prometido que usaríamos aparelhos ortopédicos nas pernas assim que meu corpo permitisse, mas ele também havia deixado bem claro que, com o dano sofrido na minha medula espinhal, as chances de eu voltar a andar sem apoio eram quase nulas.

- Desculpe.

Balancei a cabeça. Ela não tinha do que se desculpar.

- Você me fez rir pela primeira vez em semanas.

Giorgia veio até mim. - Pensei que a gente podia assistir a um filme e comer pipoca?

Concordei e subimos para o meu quarto no elevador novo. Danilo finalmente nos deixou sozinhas.

Costumávamos assistir a filmes na minha cama. Giorgia se jogou como sempre e depois se sentou com uma expressão incerta.

- Ou você prefere sentar no sofá? - Ela apontou para o sofá ao lado. Eu não o usava desde o acidente. A TV podia ser girada de qualquer maneira.

- Não, - eu disse, e então me aproximei da cama. Puxei os freios. Eu ainda tinha dificuldade para sair da cadeira de rodas e entrar na cama, mesmo sendo um modelo novo e mais baixo. Giorgia me observou enquanto eu tentava me içar para a cama. Depois de três tentativas, finalmente consegui aterrissar de bunda na cama. Usei os braços para me inclinar para trás até minhas costas baterem na cabeceira. Então, me inclinei para trás e precisei respirar fundo. Meu corpo doía e eu me sentia cansada com aquele breve movimento.

Giorgia segurava o controle remoto, mas ainda não tinha ligado a TV. - Se você quiser conversar, estou aqui.

Assenti. Preferia conversar com meu terapeuta. Era mais fácil compartilhar meus medos mais sombrios com um quase desconhecido do que com as pessoas que eu conhecia.

- Quero assistir a um filme.

Cinco minutos depois, nossa empregada apareceu com uma grande tigela de pipoca e copos de Coca-Cola.

Enquanto Giorgia e eu assistíamos ao filme, ombro a ombro, me senti como a velha Emma pela primeira vez desde que acordei do coma.

***

Um dia, alguns meses depois do acidente, quando ficou claro que eu nunca mais dançaria, minha mãe jogou fora todas as minhas roupas de balé.

Só soube por que ela não tinha fechado direito a gaveta onde eu guardava meus collants e, quando verifiquei, encontrei-a vazia. Abri as outras gavetas com minhas roupas de balé, mas elas também estavam vazias. Tudo havia desaparecido sem uma palavra, sem uma explicação.

Mas eu sabia que era a mamãe. Ela às vezes mencionava o quanto eu sentia falta do balé e que certamente conseguiria fazê-lo novamente em breve. Ela provavelmente estava mais devastada com o fim da minha carreira no balé do que eu. Mesmo assim, senti tristeza ao olhar para a gaveta vazia. Ela simbolizava outra parte da minha antiga vida que eu havia perdido, outra porta que finalmente se fechou para mim.

Eu gostava de balé, da graça e da disciplina, dos figurinos, da música, mas não era o meu sonho - até que me foi tirado. Eu adoraria decidir quando pararia, nos meus próprios termos... mas não tive essa escolha. Teria que me conformar com isso, assim como tive que lidar com muitas outras mudanças na minha vida. No começo, a vida parecia uma sequência de coisas que eu não podia mais fazer, mas, aos poucos, descobri coisas novas que me proporcionavam momentos de felicidade. Fazer coisas com a Giorgia e fazer artesanato como desenho, cerâmica e origami.

O que eu sentia mais falta do que dançar era da liberdade que a capacidade de andar proporcionava. Eu nunca tinha percebido quantos degraus minha rotina diária incluía e quão altas eram muitas das coisas que eu precisava diariamente. A primeira vez que entrei na cozinha para pegar um copo d'água depois de voltar para casa, não consegui alcançar o armário e fiquei olhando para ele até que nossa cozinheira entrou e me ajudou.

Depois disso, ela colocou os copos em um armário baixo para que eu pudesse pegá-los. Não foi a última vez que não consegui alcançar algo. Minha família e eu tivemos que nos adaptar às minhas novas habilidades. Aos poucos, nossa casa se transformou em um lugar onde eu podia fazer muitas coisas de forma independente, mas eu sabia que, se voltasse a participar de eventos sociais, as coisas seriam um novo desafio.

***

Cerca de dois meses e meio depois do meu acidente, tive a primeira experiência do que significava viver com uma deficiência em nosso mundo antiquado e tradicional, e esse evento quase fez com que a incapacidade de outras pessoas de lidar com a minha deficiência se tornasse a maneira como eu também lidava com ela.

Eu estava comprometida com o filho mais velho do Subchefe de Cincinnati desde os meus quatro anos de idade. Federico e eu só nos encontramos algumas vezes, e eu nunca havia pensado em nosso vínculo além de um pensamento passageiro. Casamento era um conceito distante, pois eu ainda não me importava muito com garotos. Quando o pai de Federico veio me visitar sem o filho, imediatamente tive um mau pressentimento.

Danilo tinha me dito para ficar lá em cima, mas eu estava completamente protegida desde o acidente e finalmente queria ter um vislumbre do mundo exterior, mesmo que fosse apenas através de uma breve conversa com o pai de Federico. Os olhos de Danilo se voltaram para mim quando saí do elevador quando o pai de Federico entrou. A preocupação nos olhos de Danilo desencadeou minha própria ansiedade. Como o homem reagiria à minha deficiência? Ele mal olhou em minha direção quando entrou, seus olhos me ignorando sem um único cumprimento.

- Preciso falar com você e seu pai a sós, Danilo. Sem sua irmã.

Apertei as rodas com mais força, provavelmente engrossando os calos recém-formados nas palmas das minhas mãos. Eu me tornei menor sob o seu constante descaso.

Os lábios de Danilo se estreitaram, e o brilho duro em seus olhos indicava a fragilidade de sua máscara de controle.

- Vá em frente. Meu pai está em sua mesa. Você sabe o caminho. Eu já vou.

A mãe saiu da sala. O pai de Federico lhe deu um rápido aceno de cabeça antes de seguir pelo corredor em direção ao escritório do pai.

- O que está acontecendo? - perguntou a mãe, franzindo os lábios. Ela estava com um vestido bonito e prendeu o cabelo castanho num coque elegante no alto da cabeça. - Preparei um chá da tarde para todos nós.

- Você deveria esperar com a Emma na sala. Tenho a sensação de que as coisas não serão agradáveis e não haverá chá da tarde.

Franzi a testa para Danilo, mas ele apenas me deu um sorriso forçado. Mamãe, porém, empalideceu consideravelmente com a declaração dele.

Mamãe e eu fomos para a sala de estar e sentamos à mesa de centro, que nossa empregada encheu com bolos e biscoitos para nossos convidados e para nós.

Mordi o lábio inferior e, em seguida, olhei para a palma calejada da minha mão, percorrendo-a com os dedos. Eu nunca tivera calos nas mãos, apenas nos pés, por usar a ponta. Estes últimos haviam desaparecido e novos se formaram. Desde o meu acidente, muitas vezes parecia que meu coração também precisaria de calos para se proteger do que estava por vir.

- O que você acha que ele quer?

Os olhos da minha mãe pousaram nas minhas palmas. - Precisamos garantir que suas mãos não fiquem assim. Não é bonito. Talvez você precise usar sua cadeira de rodas elétrica.

Virei as mãos e segurei as coxas. - É grande demais e não gosto do barulho que faz.

Vozes alteradas me silenciaram. Tentei entender o que estava sendo dito, mas papai, Danilo e o pai de Federico pareciam estar gritando ao mesmo tempo.

Um dos nossos guarda-costas entrou com um breve aceno de cabeça e se posicionou ao lado da porta. Ele havia assumido o comando depois que meu antigo guarda-costas foi eliminado. Ele causou o acidente porque estava bêbado em serviço. Eu não gostava de pensar nele. Às vezes eu o odiava pelo que tinha feito comigo, e às vezes me sentia quase culpada porque ele estava morto agora e não por causa do acidente. Meu irmão o matou como punição.

A gritaria aumentou. O pai de Federico apareceu no saguão, mas não entrou na sala. Em vez disso, correu em direção à porta da frente com o rosto vermelho, parecendo mal poder esperar para ir embora.

- Nunca mais me procure para pedir ajuda! - rugiu papai, e começou a tossir horrivelmente. A porta da frente se fechou e, por alguns instantes, ninguém disse nada. Só se ouvia a tosse desesperada e a respiração ofegante do papai. Danilo apareceu na porta, com o rosto vermelho, o cabelo despenteado e uma expressão de trovão nos olhos.

- O que houve? - perguntou a mãe, assustada.

- Eles cancelaram o noivado! - gaguejou papai ao aparecer ao lado de Danilo na porta, com o rosto cada vez mais vermelho também.

Mamãe se levantou do sofá, com a mão cobrindo o coração como se as palavras o tivessem partido.

- Eles não podem!

- Eles podem, - disse Danilo baixinho, olhando para mim, não para nossa mãe. - São circunstâncias extraordinárias, então ninguém vai culpá-los, mesmo que seja absolutamente desonroso.

Mamãe cobriu o rosto e começou a chorar amargamente. Papai entrou e a abraçou para consolá-la enquanto eu me encolhia na cadeira de rodas, desejando poder desaparecer como algumas pessoas pareciam preferir.

O noivado foi cancelado.

Mais uma parte da minha antiga vida se foi. O que aconteceria agora? As meninas do nosso mundo precisavam se casar se quisessem ser aceitas. Eu queria fazer parte do nosso mundo e ter um futuro nele, como todas as outras meninas, mas será que me permitiriam isso?

Danilo entrou e tocou meu ombro. - Isso não é culpa sua, - murmurou. Inclinei a cabeça, me perguntando por que aquela foi a primeira coisa que ele disse.

Ele fez uma careta, parecendo exausto. - Você sabe o que eu quero dizer.

Engoli em seco e assenti, mesmo sem ter certeza. Estava confusa, assustada e triste. Eu era muitas coisas ao mesmo tempo. - Sim.

Eu entendi o significado das palavras de Danilo, mas talvez não da maneira que ele queria. Eu entendia que as pessoas em nosso mundo retrógrado achavam que havia algo errado comigo agora. Elas valorizavam certos padrões de beleza que eu jamais conseguiria alcançar.

- Vamos dar um jeito, - Danilo prometeu, apertando minha mão.

A mãe soluçava ao fundo enquanto o pai tentava consolá-la.

Meu irmão tinha poder. Eu via isso no jeito como as pessoas olhavam para ele. Ele certamente seria capaz de fazer as pessoas agirem de uma certa maneira perto de mim, mas não seria capaz de mudar seus pensamentos.

***

Mamãe não tinha se acalmado por uma semana, e a raiva do papai persistia ainda mais. Danilo era controlado demais para me demonstrar o que sentia. E eu?

Eu quase deixei o cancelamento me empurrar de volta para o buraco negro em que fiquei presa nas primeiras semanas após o acidente. Nem meu terapeuta conseguiu me tirar de lá. Eu me sentia inútil, deslocada e perdida. Eu achava que a cadeira de rodas realmente significava o fim de todas as minhas esperanças. Eu achava que ficaria acorrentada a ela e a via como um fardo quando, na realidade, ela me dava liberdade.

Concentrei toda a minha energia no treinamento físico novamente, até a exaustão total. Precisei aumentar meus analgésicos para conseguir me esforçar o máximo que precisava. Queria forçar meu corpo a atender às minhas demandas.

Depois de vários meses de treinamento intensivo, minhas pernas conseguiam me sustentar por alguns segundos se eu me segurasse em alguma coisa. Incontáveis horas de reabilitação me devolveram um pedacinho da minha antiga liberdade, mas, com o tempo, também percebi que, não importava o que eu fizesse ou o quanto treinasse, não andaria sem apoio como antes. Nunca mais me encaixaria nos padrões de beleza do nosso mundo. Os efeitos do acidente seriam sempre visíveis na minha marcha, e eu provavelmente teria que usar uma cadeira de rodas para sempre. Eu havia chegado ao limite do que a reabilitação podia fazer. Minha medula espinhal não se curaria milagrosamente sozinha. Algum dano permaneceria para sempre. Era a dura verdade que minha mãe queria esconder de mim, a dura realidade que não era mais uma previsão sombria, mas minha vida diária era mais difícil de suportar para todos ao meu redor do que para mim mesma. A aceitação não veio facilmente. Foi mais doloroso do que a fisioterapia, mas seus efeitos foram muito mais gratificantes.

            
            

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