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SAMUEL
As comemorações de hoje eram o motivo pelo qual eu raramente gostava de participar de eventos sociais. O jeito traiçoeiro, os sorrisos falsos e as mentiras de muitas pessoas em nosso mundo despertavam a raiva que eu tentava controlar. O que era, claro, hipócrita da minha parte, considerando que eu lhes dava o mesmo sorriso falso enquanto matava mentalmente um bom número delas, especialmente depois da reação repugnante de algumas ao anúncio do meu noivado.
Saí para o quintal depois de deixar Emma com minha mãe em frente ao banheiro de hóspedes. Assim que saí, respirei fundo. Eu mantive minha máscara de simpatia por dentro, especialmente com todos os outros Subchefes presentes. Bem, nem todos. Cincinatti não tinha sido convidado. Danilo insistiu para que eles ficassem longe depois do que fizeram com Emma. Eu realmente não me importava com a presença deles.
Uma mão tocou meu ombro e fiquei brevemente tenso antes que meu pai aparecesse. Ele acendeu um cigarro e deu uma longa tragada antes de olhar para o céu que escurecia e soprar a fumaça.
- Não deixe a mamãe te ver.
- Ela vai sentir o cheiro em mim. Ela sempre sente, - disse ele com um sorrisinho. - Quando a vida ficar menos estressante, eu paro.
- Quando é que isso vai acontecer?
- Um dia, - disse papai, e então riu como se tivesse contado uma boa piada. - Você queria ficar sozinho?
Dei de ombros. Eu queria ficar sozinho, mas papai sabia a hora de ficar em silêncio.
A presença dele quase nunca me incomodava.
- Eu não me importo.
Papai me olhou de lado. - Uma esposa tem que fazê-lo se sentir em casa. Todo o resto é passageiro, mas aquela sensação de voltar para casa sempre que você vê alguém? É isso que importa.
- Eu disse que não tenho problema com o casamento. Emma é uma garota bonita, e tenho certeza de que vamos nos dar bem. - Cerrei os dentes. - Mas tenho um histórico ruim com pessoas que dependem de mim, e ela é mais dependente do que as outras.
- Ninguém poderia ter protegido sua irmã e seus amigos... eles eram Homens Feitos. Sabiam cuidar de si mesmos.
Assenti. - Eu deveria voltar. Não quero deixar a Emma sozinha.
Foi um pensamento surpreendente, mas eu definitivamente me senti protetor com ela. Virei-me e entrei novamente. Emma estava conversando com Anna e Sofia, então decidi ir até Renato, que estava conversando com o futuro Subchefe de Columbus, Cosmo. Acenei para os dois.
Renato deu um tapinha no meu ombro.
- Isso foi uma surpresa, - disse Cosmo. Eu podia ver a curiosidade em seus olhos. Se ele achava que eu lhe daria detalhes sobre o motivo do acordo, não tinha prestado muita atenção à minha reputação.
- Prefiro manter minhas cartas escondidas. - Renato deu um sorriso irônico.
- Uma coisa nobre... - Ele continuou falando sem parar, mas eu o ignorei. O veredito sobre o nosso noivado era bem claro. As pessoas não entendiam e até desaprovavam abertamente. Eu não me importava. Mas mesmo agora, eu conseguia ver o quanto Emma se sentia desconfortável.
- Ela não parece ter tirado a sorte grande com você, - murmurou Renato.
Todos achavam que Emma deveria estar em êxtase com esse vínculo, um vínculo que a salvava aos olhos de muitos, mas Renato tinha razão. O verdadeiro deleite definitivamente não era visível em seu rosto. Mas eu não conseguia dizer se era por causa dos sussurros de mau gosto das pessoas ou porque ela não queria se casar comigo.
Eu era oito anos mais velho que ela. Talvez isso fosse um problema. Fui até ela.
- Você tem um minuto?
- Claro, - disse Emma, com as bochechas ficando vermelhas enquanto me seguia. Levei-a para o pátio do nosso quintal. As pessoas ainda conseguiriam nos ver, mas não nos ouviam.
Emma olhou para mim com um sorriso incerto. Senteime em uma das cadeiras para que ficássemos na altura dos olhos. Eu não queria ficar olhando para ela de cima o tempo todo.
Seu sorriso se alargou um pouco, mas ela se acalmou consideravelmente quando não retribuí o sorriso. Olhei para o nosso vasto quintal, me perguntando o que eu estava fazendo.
- O Danilo te contou ontem?
Ela olhou para os dedos elegantes. Ainda precisava de um anel. Este anúncio veio mais cedo do que o esperado, e minha mente estivera longe de pensamentos sobre casamentos ou noivados nos últimos anos.
- Ele contou ontem à noite.
- Deve ter sido uma surpresa.
Ela sorriu estranhamente para a mão, como se tentasse se imaginar com um anel, mas não conseguisse.
- Foi. Um dia não é muito tempo para se preparar para um noivado inesperado. Você teve mais tempo, suponho.
Ela então ergueu os olhos, e seus olhos castanhos buscaram os meus como se estivesse testando a veracidade de sua declaração. Presumi que Danilo não tivesse revelado quando fechamos o acordo, pois isso levantaria muitas perguntas. Obviamente, ela estava desconfiada de como o noivado tinha se dado. Tinha todos os motivos para estar, mas jamais descobriria a verdade desagradável por mim. Para começar, isso arrasaria não só ela, mas também Sofia. E eu realmente não via como a verdade ajudaria alguém nesse caso.
- Na verdade, não veio tão do nada para mim quanto para você.
Emma assentiu e deu de ombros. - A ficha vai ter caído quando nos casarmos. Dois anos é muito tempo.
- É mesmo.
- Muita coisa pode acontecer antes disso, - disse ela num tom estranho. Seus olhos ficaram distantes, como se ela se lembrasse de algo. Não pude deixar de me perguntar se ela estaria pensando em Cincinatti. Talvez ela temesse que eu mudasse de ideia e cancelasse nosso noivado, mas eu não tinha intenção de fazer isso. Pelas nossas breves interações, eu já percebia que Emma era uma pessoa agradável de se conviver, e era muito bonita.
- Isso é verdade, mas algumas coisas não acontecerão a partir de hoje.
Ela inclinou a cabeça curiosamente, mas então olhou de volta para o quintal.
- Você não parece feliz com o noivado.
- E eu definitivamente deveria estar feliz, considerando tudo. - Sua voz assumiu um tom quase petulante.
Franzi a testa, sem saber por que minhas palavras a ofenderam. Enfiei as mãos nos bolsos. Era estranho pensar que essa garota, então mulher, seria minha esposa, minha responsabilidade pelo resto de nossas vidas. Eu havia crescido com um forte senso de proteção em relação à minha irmã gêmea, mas ela se foi - em parte por minha culpa. Eu não tinha certeza de como me sentia em relação à responsabilidade por Emma. Ela já havia sofrido muito em sua curta vida. Seu trágico acidente e a morte do pai. Casar comigo não seria a bênção e o presente que tantas pessoas acreditavam que fosse.
As pessoas me julgavam pela minha aparência e pela minha posição. Elas viam o brilho exterior, não o abismo sob a camada externa enganosa.
- Você está?
Lancei lhe um olhar interrogativo.
- Feliz, quero dizer. - Sua voz ficou dolorosamente baixa.
- Desde quando a felicidade é um fator decisivo quando se trata de casamento no nosso mundo? - perguntei. Eu não queria mentir para ela e fingir que esse noivado me deixava em êxtase. Emma se encolheu. Pensei em dizer algo mais para suavizar minhas palavras, mas tudo o que me vinha à mente soaria falso.
- É para o bem das nossas famílias.
Ela assentiu levemente.
- Para o bem das nossas famílias.