O Veneno da Fortuna
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Capítulo 1

O telefone tocou incessantemente, o som agudo cortando o silêncio do escritório.

Marcos Silva sentiu um aperto no peito, uma premonição ruim que o fez largar a caneta. Ele olhou para o identificador de chamadas, um número desconhecido.

Ele atendeu.

"Alô?"

A voz do outro lado era urgente, profissional.

"Senhor Marcos Silva? Sou do Hospital Central. Houve um acidente."

O coração de Marcos disparou, martelando contra suas costelas.

"Acidente? Com quem?"

"Seus pais, Antônio e Helena Silva. Eles deram entrada na emergência em estado grave."

O mundo de Marcos desmoronou. Ele se levantou de um salto, derrubando uma pilha de papéis da mesa.

"Eu estou indo para aí agora."

Ele desligou, as mãos tremendo tanto que mal conseguiu guardar o celular no bolso. A primeira pessoa em quem pensou foi sua esposa, Sofia. Ele precisava dela.

Ele discou o número dela, uma, duas, três vezes. Caixa postal.

Ele tentou de novo, a ansiedade se transformando em pânico. Finalmente, na quinta tentativa, ela atendeu. A voz dela estava distante, abafada por música alta e risadas.

"O que foi, Marcos? Estou ocupada."

A frieza dela era como um tapa na cara.

"Sofia, meus pais... eles sofreram um acidente. Estão no Hospital Central, em estado grave. Eu preciso que você venha."

Houve uma pausa do outro lado da linha. Marcos podia ouvir alguém rindo perto dela, uma voz masculina.

"Seus pais? Ah, que pena. Olha, eu não posso ir agora, estou no meio de uma coisa importante."

A voz dela era impaciente, como se a tragédia dele fosse um mero incômodo.

"Uma coisa importante? Sofia, meus pais podem morrer!"

"E o que você quer que eu faça? Eu não sou médica. Dê um jeito, Marcos. Resolva isso. Me ligue mais tarde."

Antes que ele pudesse responder, ela desligou.

O som da linha morta ecoou nos ouvidos de Marcos, mais alto que o caos em sua mente. Ele ficou parado por um momento, paralisado pela crueldade dela. A "coisa importante" era o aniversário de Pedro, seu ex-namorado, sua "alma gêmea", como ela o chamava em tom de brincadeira. Uma brincadeira que agora parecia doentia.

Ele sacudiu a cabeça, forçando-se a focar. Seus pais precisavam dele. Sofia podia ir para o inferno.

Ele correu para o hospital, cada semáforo vermelho uma tortura. Ao chegar, encontrou uma enfermeira na recepção da emergência.

"Meus pais, Antônio e Helena Silva. Acabei de receber a ligação."

A enfermeira olhou para ele com compaixão, seu rosto expressando a gravidade da situação.

"Senhor Silva, me acompanhe. O médico precisa falar com o senhor."

Ela o guiou por um corredor branco e estéril. O cheiro de antisséptico enchia o ar.

"O estado deles é muito crítico", disse ela em voz baixa. "Eles precisam de cirurgia imediata, mas..."

Ela hesitou. O médico se aproximou, a expressão séria.

"Senhor Silva, sinto muito. Seus pais perderam muito sangue. Precisamos da sua autorização para a cirurgia de emergência."

Ele estendeu uma prancheta com um formulário.

"Claro, onde eu assino?"

Marcos pegou a caneta, mas o médico o impediu.

"Há um problema. Legalmente, o senhor não pode assinar."

Marcos franziu a testa, confuso. "Como assim? Eu sou o filho deles."

"O acidente foi um atropelamento. A responsável, a dona do veículo que os atingiu, é quem deve assinar a autorização e arcar com os custos iniciais. A lei é clara nesses casos."

Marcos sentiu o sangue gelar.

"A dona do veículo? Vocês sabem quem é?"

"Sim. O carro é um Porsche Cayenne. Está registrado no nome de Sofia Almeida."

O nome pairou no ar, pesado, inacreditável. A caneta congelou na mão de Marcos, a poucos centímetros do papel. Sofia. O carro que ele deu a ela de presente de aniversário. A ironia era tão cruel, tão absurda, que ele sentiu vontade de rir e vomitar ao mesmo tempo.

Ele se afastou, cambaleando, e pegou o celular novamente. Seu dedo pairou sobre o nome dela. Ele precisava que ela viesse. Precisava que ela assinasse. Precisava que ela salvasse a vida dos pais dele.

Ele ligou. A música ainda tocava ao fundo.

"Marcos? Eu não disse para me ligar mais tarde? Estou comemorando."

A voz dela era um veneno.

"Sofia, você precisa vir ao hospital. Agora."

"Eu já disse que não posso."

"Você não está entendendo", disse ele, a voz embargada pela urgência. "O carro que atropelou meus pais... era o seu Porsche."

Silêncio. Um silêncio mortal do outro lado da linha. Por um instante, Marcos pensou que a ligação tivesse caído.

"Sofia? Você está aí?"

Ele a ouviu respirar fundo. Quando ela falou, sua voz era gelo puro, desprovida de qualquer emoção.

"Isso é impossível. Meu carro está na garagem."

"Não, não está. A polícia confirmou. O carro está aqui, batido. Sofia, pelo amor de Deus, meus pais precisam de uma cirurgia. Só você pode autorizar. A vida deles depende disso."

Ele podia ouvi-la cochichando com alguém. A voz masculina de antes. Pedro.

"Isso é algum tipo de truque, Marcos? Você está tentando estragar a festa do Pedro?"

A acusação o atingiu com a força de um soco.

"Truque? Você acha que eu inventaria uma coisa dessas? Meus pais estão morrendo!"

"Eu não acredito em você", ela disse, a voz firme. "Resolva seus problemas de família sozinho. E não me ligue mais."

Ela desligou novamente.

Marcos olhou para o celular, incrédulo. A frieza dela, a negação, o egoísmo... era monstruoso. Ele se virou para o médico, o rosto pálido, a esperança se esvaindo.

"Ela não vem."

O médico suspirou, o pesar visível em seus olhos.

"Sinto muito, filho. Nós fizemos tudo o que podíamos."

Naquele momento, o som agudo e contínuo de um monitor cardíaco ecoou pelo corredor. Primeiro um. Depois o outro. O som da morte.

Os pais de Marcos se foram.

            
            

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