Lembranças inundaram sua mente. Seu pai o ensinando a andar de bicicleta, sua mãe preparando seu prato favorito. Eles eram pessoas simples, de origem humilde, assim como ele. Trabalharam a vida inteira para dar a ele uma chance. E quando ele finalmente conseguiu, quando ascendeu socialmente e construiu seu próprio império, eles nunca pediram nada. Só se orgulhavam.
Ele se lembrou do dia em que apresentou Sofia a eles. Sua mãe a abraçou como se fosse uma filha. "Cuide bem do nosso Marcos", ela disse a Sofia, com um sorriso caloroso. "Ele tem um coração de ouro."
Seu pai, sempre mais reservado, apertou a mão de Sofia e disse que ela trazia luz para a vida do filho deles.
Eles a amavam. Eles a acolheram sem questionar, encantados pela herdeira da rica vinícola que havia se apaixonado pelo filho deles. Mal sabiam eles que tudo não passava de uma farsa.
O celular dele vibrou no bolso, tirando-o de seu torpor. Era sua secretária, Clara.
"Senhor Silva? Desculpe incomodar a essa hora, mas... há um problema."
A voz dela estava hesitante.
"O que foi, Clara?"
"É sobre a conta da empresa. A senhora Sofia fez uma retirada hoje à tarde. Uma quantia muito alta."
Marcos franziu a testa. "Quão alta?"
"Cem mil euros. Ela disse que era para um investimento imobiliário urgente na Europa."
Cem mil euros. No dia em que matou seus pais. A ficha caiu com um baque surdo. A fuga. O dinheiro era para fugir para a Europa com Pedro. Ela não estava apenas comemorando o aniversário dele, estava planejando uma nova vida, construída sobre a morte dos pais de Marcos.
A dor em seu peito se transformou em uma raiva fria e cortante.
Ele se lembrou de todas as humilhações que suportou. Lembrou-se do primeiro jantar com a família de Sofia. O pai dela, um homem arrogante com um império de vinhos, o mediu de cima a baixo com desprezo. "Então você é o... empreendedor? De que família você vem mesmo?"
A mãe dela foi ainda pior. Quando Sofia anunciou o noivado, ela riu. "Querida, é só uma fase. Homens como ele são degraus. Você usa, e depois descarta."
Em um desses jantares, ele cometeu o erro de discordar do pai dela sobre um assunto de negócios. Mais tarde, em casa, Sofia lhe deu um tapa no rosto.
"Nunca mais me envergonhe na frente da minha família! Você entende qual é o seu lugar? Você é o pobretão sortudo que eu escolhi. Aja como tal."
Ele suportou tudo. Suportou o desprezo, a manipulação, o abuso emocional. Porque ele a amava. Ou pensava que amava. Ele acreditava que, por baixo daquela fachada superficial e egoísta, existia a mulher por quem ele havia se apaixonado. Agora ele via a verdade. Não havia nada por baixo. Apenas um vazio frio e calculista.
Ela o via como um degrau. E agora que não precisava mais dele, estava pronta para descartá-lo.
A raiva deu lugar a uma determinação gelada. Ela não iria fugir. Ela não iria construir sua felicidade sobre a ruína dele. Ele não permitiria.
Ele discou o número de Clara novamente. Sua voz, antes trêmula de dor, agora era firme como aço.
"Clara, quero que você congele todos os cartões de crédito de Sofia. Cancele todos os acessos dela às contas da empresa e às nossas contas conjuntas. Imediatamente."
"Mas, senhor..."
"Faça o que eu mandei, Clara. Sem perguntas."
"Sim, senhor. Entendido."
Ele desligou o telefone. Olhou uma última vez para os corpos de seus pais através do vidro.
"Eu prometo", ele sussurrou, a voz rouca. "Eu prometo que farei justiça por vocês."
Ele se virou e saiu do necrotério, deixando a dor para trás. Agora, só havia espaço para a vingança.