Na funerária, cercado pelo cheiro adocicado de flores e pelo silêncio pesado, Marcos escolhia as roupas para o enterro de seus pais. Ele pegou um vestido floral simples para sua mãe, o favorito dela. E para seu pai, o terno que ele usou no casamento de Marcos.
Ele se lembrou da conversa que teve com a mãe na véspera do casamento.
"Você tem certeza, meu filho?", ela perguntou, a preocupação em seus olhos. "A família dela... eles são de outro mundo."
"Eu a amo, mãe. E ela me ama."
Sua mãe sorriu, um sorriso triste. "O amor de um homem bom como você é um presente, Marcos. Espero que ela saiba o valor que ele tem."
Agora, a lembrança daquelas palavras o assombrava. Sofia não só não sabia o valor do amor dele, como o havia pisoteado, cuspido nele e o deixado para morrer junto com seus pais na beira da estrada.
Seu celular tocou, quebrando o silêncio fúnebre. Era Sofia.
Ele atendeu, preparando-se para a tempestade.
"MARCOS! O QUE VOCÊ FEZ?"
O grito dela era tão agudo que ele teve que afastar o telefone do ouvido.
"Meus cartões não estão passando! O que diabos você fez?"
A voz de Marcos era calma, quase um sussurro. Um contraste gritante com a histeria dela.
"Eu cortei seu acesso ao meu dinheiro, Sofia."
"Seu dinheiro? Nós somos casados! É nosso dinheiro! Como você ousa fazer isso comigo?"
"Eu ouso porque o dinheiro que você estava usando para fugir com seu amante foi ganho com o meu suor. Eu ouso porque enquanto meus pais morriam, você estava brindando sua 'nova vida' no Instagram."
Houve uma pausa. Ele a imaginou sem palavras, o choque e a raiva lutando em seu rosto. Quando ela falou novamente, o tom era completamente diferente. A fúria desapareceu, substituída por uma doçura artificial e enjoativa.
"Amor, me desculpe. Eu não sabia que a situação era tão séria. Pedro e eu... estávamos apenas nos divertindo. Você sabe como eu fico quando bebo um pouco. Por favor, reative meus cartões. Eu preciso deles."
Era a mesma tática que ela sempre usava. Gritar, depois se fazer de vítima, depois oferecer uma migalha de afeto para conseguir o que queria. Mas, pela primeira vez, não funcionou. A voz dela não causava nada além de repulsa.
"Não, Sofia."
"Marcos, por favor. Eu te amo."
Ele riu. Uma risada seca, sem humor.
"Você não sabe o que é amor. Você só sabe o que é usar as pessoas."
Ele respirou fundo, a decisão final se formando em sua mente.
"O funeral dos meus pais será amanhã, ao meio-dia, na capela central. Este é o seu último aviso. Se você ainda tem um pingo de decência, apareça."
Ele não estava pedindo. Estava dando uma ordem. Uma última chance para ela mostrar algum tipo de humanidade.
A resposta dela foi uma risada sarcástica.
"Funeral? Você ainda está com essa história? Marcos, você está sendo ridículo. Isso é um jogo para me fazer voltar rastejando? Não vai funcionar. Se você não reativar meus cartões até o final do dia, pode considerar nosso casamento acabado. Eu peço o divórcio e pego metade de tudo o que você tem!"
A ameaça que antes o aterrorizava agora soava patética.
"Ótimo", disse ele, a voz mortalmente séria. "Peça o divórcio. Mas você não vai conseguir um único centavo. Eu vou garantir isso."
"Veremos", ela cuspiu, antes de desligar na cara dele.
Marcos guardou o telefone. Ele olhou para o terno de seu pai em suas mãos. A decisão estava tomada. Não haveria reconciliação. Não haveria perdão. Apenas o acerto de contas. E ele garantiria que fosse doloroso.