O Décimo Despertar: Sofia Renasce
img img O Décimo Despertar: Sofia Renasce img Capítulo 1
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Capítulo 1

Esta era a décima vez.

A décima vez que Sofia acordava naquele quarto luxuoso, com o sol batendo em seu rosto através das cortinas de seda que ela mesma tinha escolhido, uma vida atrás. O cheiro do café fresco vinha da cozinha, um aroma que antes significava lar, mas que agora era apenas o alarme para o início de mais um ciclo de dor.

A missão era sempre a mesma, flutuando em letras azuis translúcidas no canto de sua visão, uma interface que só ela podia ver: [Reconquistar o amor de Ricardo].

Simples. Direto. Impossível.

Ela se levantou, o corpo ainda lembrando dos fantasmas das dores passadas. Ela já tinha morrido nove vezes, cada uma mais brutal que a outra, orquestrada pelo mesmo homem que ela deveria fazer amá-la. Ricardo. Um gênio da tecnologia, um empresário aclamado, seu ex-parceiro e seu carrasco implacável.

Na primeira vez, ele a empurrou da escada de mármore da mansão, depois de uma briga sobre Juliana, a modelo. Sofia quebrou o pescoço.

Na segunda, ele a trancou para fora de casa durante uma nevasca. Ela morreu congelada na varanda, arranhando a porta de vidro.

Na terceira, ele sabotou os freios de seu carro.

Na quarta, ele a afogou na piscina.

Na quinta, na sexta, na sétima, na oitava, na nona... as mortes se tornaram um borrão de humilhação e agonia. Ele a envenenou, a deixou para morrer em um incêndio, a entregou para homens cruéis. Em cada ciclo, a desculpa era a mesma: sua suposta "traição" com Juliana. Uma mentira que ele usava para justificar sua crueldade, uma peça de teatro onde ela era sempre a vilã punida.

E mesmo assim, a cada reinício, ela tentava.

Ela reunia os cacos de sua alma e seguia o roteiro. Ela cozinhava seus pratos favoritos, vestia as roupas que ele gostava, tentava iniciar conversas sobre os velhos tempos, quando eles ainda pareciam felizes. Ela se humilhava, pedia perdão por um crime que não cometeu, oferecia seu corpo e sua dignidade na esperança de que, desta vez, algo mudasse.

Mas Ricardo nunca mudava. Seus olhos, de um azul frio como o gelo, a olhavam com desprezo. Sua mão, que um dia a acariciou, agora só a empurrava. Suas palavras eram lâminas.

"Você ainda está aqui?"

"Sua presença me dá nojo."

"Olhe para você. Patética."

Cada palavra era um golpe, mas ela absorvia tudo, acreditando que era o preço a pagar. O sistema dizia que ela precisava do amor dele para ser livre. Era uma lógica doentia, mas era a única que ela tinha.

Naquela manhã, na décima tentativa, ela preparou o café da manhã dele. Ovos mexidos, exatamente como ele gostava, com torradas perfeitamente douradas e suco de laranja espremido na hora. Ela colocou a bandeja na mesa da sala de jantar e esperou.

Ricardo desceu as escadas, impecável em seu terno caro. Ele nem olhou para a mesa. Passou direto por ela, pegando apenas as chaves do carro.

"Eu não vou comer essa porcaria," ele disse, sem se virar. "E limpe essa sua expressão de cachorrinho abandonado. Não funciona mais."

Ele saiu, batendo a porta. Sofia ficou parada, o cheiro do café e da comida rejeitada enchendo o ar. A esperança, já tão pequena, murchou mais um pouco. O dia mal tinha começado e o fracasso já era seu companheiro.

Ela passou o resto do dia tentando. Ligou para o escritório dele, mas a secretária tinha ordens para não passar as ligações. Enviou mensagens, que foram visualizadas e ignoradas. À noite, quando ele voltou, ela o esperava na sala, vestindo um vestido que ele lhe dera no início do relacionamento.

Ele a olhou de cima a baixo, um sorriso cruel se formando em seus lábios.

"Desesperada como sempre, Sofia."

Ela engoliu o nó na garganta. "Eu só queria que a gente conversasse."

"Não temos nada para conversar."

Naquele exato momento, algo piscou. A luz do abajur ao lado dela falhou por um segundo, e a interface do sistema em sua visão tremeluziu, mostrando linhas de código aleatórias.

[ERRO DE SINCRONIZAÇÃO DE DADOS... RECALIBRANDO PERSPECTIVA...]

Por um instante, o mundo mudou. Ela não estava mais vendo Ricardo através de seus próprios olhos. A perspectiva saltou, e de repente, ela estava vendo a si mesma, de pé, patética no vestido caro, através dos olhos dele. Ela sentiu o desprezo dele como se fosse seu.

E então, a visão mudou novamente. Não era mais a sala de estar. Era um quarto escuro, iluminado apenas pela tela de um monitor. Ricardo estava sentado em uma poltrona, e na tela, uma foto. Uma foto de Juliana.

Ela era linda, sorrindo para a câmera, cheia de vida.

Sofia, agora uma espectadora invisível, observou Ricardo estender a mão e tocar a tela, como se pudesse tocar o rosto de Juliana. Sua expressão não era de raiva, mas de uma dor profunda, uma saudade que o consumia.

"Juh," ele sussurrou, a voz embargada, uma vulnerabilidade que Sofia nunca tinha visto. "Eu sinto tanto a sua falta. Eu juro que vou fazê-la pagar. Ela vai sentir tudo o que você sentiu. Vez após vez. Para sempre."

A voz dele era um veneno suave, uma promessa de vingança eterna. Ele não estava tentando puni-la por uma briga ou uma traição. Ele a estava punindo pela morte de Juliana. E o mais chocante de tudo... ele se lembrava.

Ele se lembrava de cada ciclo. Cada morte. Cada tortura.

Não era um jogo para reconquistar seu amor. Era um teatro de vingança, e ele era o diretor, o roteirista e o público. Ele a matava, a ressuscitava e a matava de novo, saboreando cada momento, tudo em nome de uma mulher morta.

A falha do sistema durou apenas alguns segundos. De repente, a visão de Sofia voltou ao normal. Ela estava de volta à sala de estar, encarando o Ricardo real, cujo rosto agora era uma máscara fria e impenetrável.

Mas a máscara tinha caído. Ela tinha visto o que havia por trás.

A verdade a atingiu com a força de um trem. Todo o seu esforço, toda a sua dor, toda a sua esperança... era uma piada. Ela não era uma ex-namorada tentando consertar um erro. Ela era um brinquedo nas mãos de um homem louco de luto, um saco de pancadas para ele extravasar sua culpa e sua dor.

O amor que ela estava tentando reconquistar nunca existiu. Pelo menos, não mais. O que existia era um poço de ódio alimentado pela memória de outra mulher.

O choque percorreu seu corpo. O desespero, a humilhação, a dor das nove vidas passadas se cristalizaram em uma única e terrível certeza.

Ela tinha sido uma idiota. E ele, um monstro.

"O que foi?" Ricardo perguntou, notando a mudança em sua expressão. "Viu um fantasma?"

Sofia não respondeu. Ela apenas o encarou, vendo-o pela primeira vez como ele realmente era. Não o homem que ela amou, mas o assassino que a executou nove vezes e planejava fazer de novo. A missão, o sistema, tudo era uma farsa.

E no fundo de seu ser, uma nova semente começou a brotar. Não de esperança, mas de uma raiva fria. A raiva de quem finalmente percebeu que estava presa em uma gaiola, e que a única saída não era agradar o carcereiro, mas destruir a jaula.

            
            

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