O Décimo Despertar: Sofia Renasce
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Capítulo 2

O mundo se desfez em estática e se reconstruiu.

O sistema, após a breve falha, reiniciou o cenário. Sofia não estava mais na sala de estar, encarando a verdade nua e crua no rosto de Ricardo. Ela estava de volta ao início da noite, o sol se pondo do lado de fora da janela do quarto. O vestido que ela usaria para a festa estava estendido na cama. Era o início do evento chave deste ciclo: o baile de gala anual da empresa de Ricardo.

Mas algo estava diferente. A memória do glitch, a visão de Ricardo acariciando a foto de Juliana, a promessa de vingança eterna, tudo isso estava gravado em sua mente. A névoa da ignorância tinha se dissipado. Ela sabia.

O sistema ainda exibia a mesma missão estúpida: [Reconquistar o amor de Ricardo].

Sofia riu, um som seco e sem alegria. Reconquistar o amor dele? Ele não a amava. Ele a odiava. Ele a usava como um receptáculo para sua dor.

A campainha tocou. Sofia não se moveu. Ela sabia quem era. Em todos os ciclos anteriores, neste exato momento, Ricardo enviava um carro para buscá-la. Era parte do jogo dele: convidá-la para o evento mais importante do ano, apenas para humilhá-la na frente de todos.

Desta vez, ela não iria.

Ela ignorou a campainha, que tocou mais duas vezes e depois silenciou. Minutos depois, seu celular vibrou. Uma mensagem de Ricardo.

"Onde você está? O carro está esperando."

Ela não respondeu.

Outra mensagem, um minuto depois. "Não me faça ir aí."

A ameaça era clara. Sofia sentiu um calafrio, mas se manteve firme. Ela não ia mais dançar conforme a música dele. O jogo tinha mudado porque ela sabia das regras.

Os minutos se arrastaram. Então, ela ouviu o som de uma chave na porta da frente. Ele tinha uma cópia. Claro que tinha.

Os passos dele eram pesados e rápidos no corredor. A porta do quarto se abriu com um estrondo.

Ricardo estava lá, o rosto uma máscara de fúria contida. Ele a varreu com os olhos, notando que ela ainda estava com as roupas do dia a dia, o vestido de gala intocado na cama.

"O que você pensa que está fazendo?" ele rosnou, a voz baixa e perigosa.

"Eu não vou," ela disse, a voz surpreendentemente firme.

Ricardo se aproximou, o cheiro caro de sua colônia preenchendo o quarto. Ele agarrou o braço dela com força, os dedos se cravando em sua pele. A dor foi imediata e aguda.

"Você vai," ele disse, entredentes. "Você vai entrar naquele vestido, vai sorrir para as câmeras e vai agir como se estivesse feliz por estar ao meu lado. Entendeu?"

"Não," ela repetiu.

O tapa veio sem aviso. O rosto dela virou com a força do impacto, a bochecha ardendo instantaneamente. O som ecoou no silêncio do quarto. Foi a primeira vez neste ciclo que ele a agrediu fisicamente, mas a dor era familiar, um eco das nove mortes anteriores.

"Você não tem o direito de dizer não para mim," ele sibilou, o rosto a centímetros do dela. "Você me deve isso. Você deve tudo a mim."

Ele a arrastou pelo quarto, jogando-a na cama ao lado do vestido. "Vista-se. Agora."

Com o coração martelando de medo e raiva, Sofia sabia que não tinha escolha. Recusar mais só resultaria em mais violência. Mas enquanto se vestia sob o olhar vigilante dele, uma decisão se solidificou em sua mente. Se ele queria um show, ela daria a ele. Mas não o show que ele esperava.

A festa era um mar de luxo e falsidade. Lustres de cristal, champanhe borbulhante e o zumbido de conversas importantes. Ricardo a mantinha ao seu lado, a mão em suas costas como a de um dono, não de um parceiro. Ele sorria para os convidados, charmoso e poderoso, enquanto seus dedos apertavam a cintura dela com força suficiente para deixar marcas.

Então, ele a viu. Uma mulher alta e loira, com um sorriso radiante, rindo com um grupo de pessoas. Não era Juliana, mas era parecida. Uma modelo, contratada por ele para a noite. A peça final de sua tortura.

Ricardo a conduziu até o centro do salão, onde a atenção de todos se voltou para eles. Ele ergueu a taça de champanhe.

"Amigos, colegas," ele começou, a voz ressoando pelo salão. "Gostaria de um momento da atenção de vocês."

O silêncio se instalou. Sofia sentiu centenas de olhos sobre ela.

"Muitos de vocês conhecem Sofia," ele disse, o tom falsamente afetuoso. "E muitos de vocês sabem da nossa história complicada. Mas o que vocês talvez não saibam é o quão... persistente ela pode ser."

Ele fez uma pausa, deixando a humilhação pairar no ar.

"Ela aparece na minha casa, no meu trabalho... mesmo depois de tudo o que aconteceu. Mesmo depois da tragédia com Juliana, que ela mesma ajudou a causar com suas mentiras e sua inveja."

Um murmúrio percorreu a multidão. Ele estava reescrevendo a história, pintando-a como uma perseguidora desequilibrada e a culpada pela morte de Juliana. Era cruel, calculado e publicamente devastador.

"Eu a trouxe aqui esta noite para pedir, na frente de todos vocês, que ela me deixe em paz. Que ela deixe a memória de Juliana em paz."

Cada palavra era uma punhalada. A dor da humilhação se misturou com as memórias de outras dores. Ela se lembrou do frio da neve, da água enchendo seus pulmões, do cheiro de fumaça. Tudo girava, a dor física e a emocional se tornando uma só. Ela sentiu as lágrimas quentes brotando em seus olhos, mas as segurou. Não daria a ele essa satisfação.

Foi nesse momento de dor absoluta que a interface piscou novamente em sua visão.

[Deseja abandonar a missão: "Reconquistar o amor de Ricardo"?]

[Sim / Não]

Nas outras nove vezes, ela nunca tinha considerado. Sempre houve uma faísca de esperança, a crença de que ela poderia consertar as coisas. Mas agora, com a verdade exposta, com a crueldade dele exibida para o mundo, a esperança estava morta.

Seu polegar mental pairou sobre a opção "Sim". O que aconteceria? Ela morreria uma última vez? Seria libertada? Ela não sabia. Mas qualquer coisa era melhor do que aquilo.

Com um sentimento de alívio sombrio, ela fez sua escolha.

Sim.

Uma pequena notificação apareceu: [Pedido de abandono de missão recebido. Processando...]

Ricardo terminou seu discurso. A multidão a olhava com uma mistura de pena e desprezo. Ele se virou para ela, o sorriso vitorioso e cruel.

"Acabou, Sofia," ele sussurrou para que só ela ouvisse.

Ele fez um sinal discreto para dois seguranças enormes que estavam perto da saída. Eles começaram a andar na direção dela.

"Agora saia da minha vida."

Ele se virou e foi em direção à modelo loira, deixando Sofia para ser devorada pelos lobos. Os seguranças a agarraram pelos braços, sem nenhuma delicadeza.

Enquanto a arrastavam para fora do salão, passando pelos rostos curiosos e julgadores, Ricardo se inclinou e sussurrou algo no ouvido de um dos seguranças. O homem assentiu, um olhar frio no rosto.

Sofia sabia o que aquilo significava. Não era apenas para expulsá-la. Era uma ordem. Uma ordem para machucá-la, para dar a ela uma última "lição" antes do fim do ciclo.

Mas desta vez, ela não se importava. Ela tinha desistido. A liberdade, de uma forma ou de outra, estava a caminho.

            
            

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