Coração Partido, Alma Curada
img img Coração Partido, Alma Curada img Capítulo 1
2
Capítulo 5 img
Capítulo 6 img
Capítulo 7 img
Capítulo 8 img
Capítulo 9 img
Capítulo 10 img
img
  /  1
img

Capítulo 1

A cozinha do "Aurum" fervia, um caos controlado de panelas, fogo e vozes.

No meio de tudo, eu, Isabela, orquestrava a sinfonia.

Meus sous-chefs, Cadu e Léo, discutiam em voz baixa perto da estação de peixes.

"Você viu os dois hoje de manhã? Chegaram juntos de novo."

"Deixa de ser fofoqueiro, Cadu. O Ricardo só está dando uma carona pra Sofia, ela mora no caminho."

"Caroninha estranha essa, que faz ela chegar toda sorridente e ele com cara de quem comeu o canário", Cadu riu baixo.

Passei por eles, meu olhar foi o suficiente para que voltassem ao trabalho.

Fofocas de cozinha eram normais, mas ouvir o nome do meu marido e da minha protegida na mesma frase me causava um desconforto sutil.

Eu ignorei, confiava nos dois. Ricardo era meu marido, o sommelier mais charmoso e requisitado da cidade. Sofia era como uma filha para mim, uma jovem que peguei pela mão e ensinei tudo que sabia. Ela era um diamante bruto que eu estava lapidando.

"Chef!", um dos cozinheiros mais novos me chamou, apontando para um molho que começava a talhar.

"Você não pode deixar o fogo tão alto, menino. Isso aqui é delicadeza", falei, pegando a panela e trabalhando o molho com o batedor até ele voltar à consistência perfeita.

"Desculpe, Chef."

"Não peça desculpas, aprenda. Na alta gastronomia, um erro estraga a experiência inteira do cliente. Foco."

Meu tom era firme, mas não cruel. Eu exigia perfeição porque era isso que eu entregava. Ricardo sempre dizia que minha seriedade na cozinha era o que me tornava a melhor. Sofia, por outro lado, parecia absorver tudo com uma facilidade impressionante, seus olhos sempre brilhando de admiração por mim. Ou era o que eu pensava.

O tempo voou, a noite de gala do prêmio "Garfo de Ouro" estava no auge no salão principal. Nosso restaurante estava sediando o evento. A pressão era imensa.

"Isabela!", Mariana, minha melhor amiga e gerente do restaurante, entrou na cozinha com o rosto tenso. "Onde está o Ricardo? É a vez dele apresentar a harmonização dos vinhos para o prato principal."

"Ele não está no salão?", perguntei, secando as mãos no avental.

"Não, sumiu. Ninguém o encontra. Os jurados estão na mesa principal, esperando."

Uma pontada de irritação me atingiu. Ricardo e sua mania de desaparecer em momentos cruciais.

"Eu vou procurá-lo. Mantenha tudo pronto para servir."

Saí da cozinha, a transição do calor e do barulho para o luxo silencioso do corredor de serviço era abrupta. Fui em direção ao escritório dele, no final do corredor. A porta estava fechada.

Bati uma vez. Nada.

Bati de novo, mais forte. "Ricardo?"

Foi quando ouvi. Não uma resposta, mas um som abafado vindo do depósito de vinhos ao lado do escritório.

Uma risada feminina, baixa e íntima. Conhecia aquela risada. Era a de Sofia.

Meu coração deu um salto estranho.

Aproximei-me da porta do depósito, que estava ligeiramente entreaberta. A curiosidade se misturou com um medo gelado.

Parei, prendendo a respiração.

"E quando a gente vai contar pra ela?", a voz de Sofia era um sussurro carregado de segredos.

A voz de Ricardo respondeu, igualmente baixa, mas clara o suficiente para me paralisar. "Calma, meu amor. No momento certo. Primeiro, a gente precisa garantir que ela não faça um escândalo e estrague tudo."

Meu mundo parou de girar. As vozes continuaram, cruéis e indiferentes.

"Ela te idolatra tanto, Ricardo. Às vezes sinto pena."

"Não sinta. Isabela vive no mundo da cozinha dela. É ingênua. E você...", ouvi um som de beijo. "...você é esperta. E linda."

Sofia riu de novo. "E grávida. Não se esqueça da parte mais importante. Não vejo a hora de contar pra ela... sobre o bebê."

A palavra "bebê" ecoou no corredor vazio, na minha cabeça, na minha alma. Um zumbido tomou conta dos meus ouvidos. A fofoca da cozinha, a ausência dele, a risada dela, tudo se encaixou numa imagem monstruosa.

Minha mão tremia quando empurrei a porta.

Eles estavam lá. Ricardo com a camisa amassada, os cabelos desalinhados. Sofia em seus braços, o vestido de gala levemente torcido, a mão dela repousando de forma protetora sobre a própria barriga.

Os dois se viraram para mim, o choque congelando seus rostos. O sorriso de Sofia morreu. O carisma de Ricardo se desfez em pânico.

Eu não gritei. Não chorei.

Apenas olhei para a cena, a imagem se gravando a fogo na minha mente. A minha protegida. O meu marido. Um bebê.

A traição não era apenas conjugal, era profissional, era pessoal, era a destruição de tudo que eu construí.

Apontei para a barriga dela, minha voz saindo fria e cortante, um som que nem eu mesma reconheci.

"É seu, Ricardo?"

Ele não conseguiu responder. Apenas me olhava, pálido como um fantasma.

Sofia, recuperando-se primeiro, deu um passo à frente.

"Isabela, eu posso explicar."

"Não", eu a interrompi, meu olhar fixo em Ricardo. "Eu não falei com você."

Olhei para o homem com quem dividi a vida por quinze anos, pai da minha filha, e fiz a única pergunta que importava naquele inferno.

"Desde quando?"

            
            

COPYRIGHT(©) 2022