Antes que eu pudesse responder, Ricardo finalmente encontrou a voz. Mas não foi para se desculpar. Foi para me controlar.
"Isabela, por favor", ele disse, dando um passo na minha direção, a mão estendida. "Não faça uma cena aqui. Pense na nossa reputação, no evento."
Reputação. Era só com isso que ele se importava.
"Tire a mão de mim", eu disse, a voz baixa e perigosa.
Ele recuou, surpreso com a minha frieza.
Sofia continuou seu teatro.
"A culpa é minha, Isa. Eu me apaixonei. O Ricardo... ele estava tão carente. Você vive para o trabalho."
Ela ousou me culpar. A garota que eu tirei da obscuridade, que eu ensinei, que eu acolhi na minha casa, ousou dizer que a culpa era minha.
Uma raiva branca e pura subiu pela minha garganta, mas eu a engoli.
"Ricardo", chamei seu nome de novo, ignorando a presença dela. "Eu perguntei desde quando."
"Isabela, isso não importa agora!", ele explodiu em um sussurro irritado. "O que importa é que temos duzentos convidados lá fora, incluindo os maiores críticos de gastronomia do país. Você vai destruir tudo por causa de um... mal-entendido?"
"Mal-entendido?", repeti a palavra, sentindo o gosto amargo dela na minha boca. "Ela está grávida de você. Que parte disso é um mal-entendido?"
"Isabela, fale baixo!", ele sibilou, agarrando meu braço com força. "Nós vamos para casa e vamos conversar sobre isso como adultos. Agora, você vai voltar para o salão, eu vou apresentar os vinhos e vamos fingir que nada aconteceu. Pelo bem da Lúcia, pelo bem do nosso nome."
A menção à nossa filha, Lúcia, foi a gota d'água. Usar o nome dela para encobrir essa sujeira.
Puxei meu braço com violência.
"Não encoste em mim nunca mais."
O rosto de Ricardo se contorceu de raiva. A máscara de marido charmoso caiu, revelando o homem egoísta e superficial que ele era.
"Você está sendo histérica, Isabela! Sempre o seu drama! Eu estou tentando salvar o que nós construímos e você só quer fazer um escândalo!"
Suas palavras me atingiram, mas a dor já era tão grande que elas pareciam distantes.
Ele estava me culpando. Na frente da amante dele.
Olhei para Sofia, que observava a cena com uma satisfação mal disfarçada por trás das lágrimas falsas. Ela estava conseguindo exatamente o que queria.
Eu respirei fundo. O cheiro de vinho e poeira no depósito me sufocava.
Meu coração estava em pedaços, minha vida desmoronando, mas uma coisa ainda estava intacta: meu profissionalismo. Era a única coisa que eles não podiam tirar de mim.
Virei as costas para os dois.
Deixei-os parados no meio das garrafas de vinho e da traição deles.
Caminhei de volta pelo corredor, cada passo um esforço monumental. Minhas pernas pareciam feitas de chumbo.
Entrei na cozinha. O barulho e o calor me engoliram.
Mariana correu até mim. "Você o encontrou? O que aconteceu? Você está pálida."
Eu a ignorei por um segundo. Olhei para a minha equipe, todos esperando um comando.
Levantei a voz, clara e firme, sem nenhum traço de tremor.
"O prato principal. Servir agora. Mesa por mesa, começando pela dos jurados. Léo, Cadu, verifiquem a apresentação de cada prato antes de sair. Eu quero perfeição."
Todos se moveram, obedecendo à ordem.
Mariana me segurou pelo braço, seus olhos cheios de preocupação.
"Isa, o que diabos aconteceu?"
Eu olhei para ela, a única pessoa no mundo em quem eu ainda confiava.
"Depois", eu disse. "Agora, eu tenho um serviço para terminar."
Era a minha cozinha. O meu restaurante. A minha noite. Eu não ia deixar que eles destruíssem isso também. Não hoje.