Coração Partido, Alma Curada
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Capítulo 3

Eu precisava de ar.

Enquanto os garçons desfilavam para o salão com os pratos que eu criei, saí por uma porta lateral e fui para o beco dos fundos.

A noite de São Paulo estava fria. O ar gelado bateu no meu rosto, um choque bem-vindo que me ajudou a sentir algo além da dor oca no meu peito.

Encostei na parede de tijolos, o material áspero arranhando minhas costas. Fechei os olhos, tentando não pensar na imagem dos dois juntos, nas palavras dela, "sobre o bebê".

Mas era inútil. A cena se repetia na minha mente, um filme cruel em loop.

"Isabela?"

Abri os olhos. Sofia estava parada na porta, a alguns metros de mim. Ela tinha trocado o vestido de gala por roupas mais simples. Parecia pequena e frágil sob a luz fraca do beco. Uma mentira.

"Precisamos conversar", ela disse, a voz suave.

Eu não respondi. Apenas a observei se aproximar, cautelosa, como se eu fosse um animal selvagem que poderia atacar a qualquer momento.

Minha mente viajou para o passado, para o dia em que a conheci.

Ela era uma garota de interior, recém-chegada na cidade, com olhos grandes e um talento inegável.

Eu vi potencial nela. Vi a mim mesma, anos atrás.

Eu a contratei, a treinei, compartilhei meus segredos culinários. Abri as portas da minha casa para ela. Ela jantou na minha mesa, brincou com a minha filha. Lúcia a adorava.

Eu a chamei de minha "protegida". A imprensa adorava essa história. A grande chef Isabela e sua jovem pupila.

Que tola eu fui.

Que cega.

Ela parou a um passo de mim, o cheiro do seu perfume doce me enjoando.

"Eu sei que você está com raiva", ela começou.

"Raiva não é a palavra, Sofia", minha voz saiu rouca.

Ela suspirou, um suspiro de mártir. E então, a máscara caiu completamente.

"Olha, eu não queria que fosse assim, mas aconteceu", ela disse, o tom agora firme, quase desafiador. "Eu e o Ricardo nos amamos. E eu estou grávida. Isso é um fato."

Ela colocou a mão na barriga de novo. Aquele gesto. Era uma arma, e ela sabia como usá-la.

"Você não pode competir com isso, Isabela. Você deu a ele uma família, uma carreira. Eu estou dando a ele um novo começo. Uma nova vida."

A audácia dela me deixou sem fôlego. Ela não estava se desculpando. Estava se gabando. Estava me dizendo que eu perdi.

"Você realmente acha que isso é sobre amor?", perguntei, uma calma gelada se apossando de mim.

"Claro que é. O que mais seria?"

Eu ri. Um som seco, sem humor.

"Não seja ingênua, Sofia. Você não me engana mais. Isso nunca foi sobre amor. Foi sobre ambição. Você viu o Ricardo e não viu um homem, viu um atalho. Um degrau para subir na vida."

O rosto dela se fechou. "Isso não é verdade."

"É claro que é. Você é calculista. Oportunista. Usou a minha confiança, a minha casa, a minha família. Você não o ama. Você ama o que ele representa: status, dinheiro, acesso. Você é uma parasita."

Cada palavra saía com precisão cirúrgica. Eu via o impacto delas em seus olhos. A surpresa, a raiva. Ela não esperava isso. Esperava lágrimas, gritos, descontrole. Esperava a mulher "histérica" que Ricardo descreveu.

Ela deu um passo para trás, o rosto pálido.

Eu dei um passo à frente, invadindo seu espaço pessoal.

"Deixa eu te dizer o que vai acontecer agora", eu sussurrei, minha voz baixa e intensa. "Você pode ter o homem. Pode ter o bebê. Mas você nunca terá o meu respeito. E você nunca terá a minha carreira."

Inclinei-me para mais perto, meu rosto a centímetros do dela.

"Eu te ensinei a cozinhar, Sofia. Mas esqueci de te ensinar a lição mais importante: na minha cozinha, eu sempre venço. E esta cidade é a minha cozinha."

"Você está me ameaçando?", ela gaguejou, o medo finalmente aparecendo em seus olhos.

"Não", eu disse, me afastando e ajeitando meu dólmã impecavelmente branco. "Isso não é uma ameaça. É uma promessa."

Virei as costas e a deixei sozinha no beco escuro, tremendo. Pela primeira vez naquela noite, eu não me senti como uma vítima. Eu me senti como uma lutadora. A guerra tinha apenas começado.

            
            

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