Abri os olhos. Sofia estava parada na porta, a alguns metros de mim. Ela tinha trocado o vestido de gala por roupas mais simples. Parecia pequena e frágil sob a luz fraca do beco. Uma mentira.
"Precisamos conversar", ela disse, a voz suave.
Eu não respondi. Apenas a observei se aproximar, cautelosa, como se eu fosse um animal selvagem que poderia atacar a qualquer momento.
Minha mente viajou para o passado, para o dia em que a conheci.
Ela era uma garota de interior, recém-chegada na cidade, com olhos grandes e um talento inegável.
Eu vi potencial nela. Vi a mim mesma, anos atrás.
Eu a contratei, a treinei, compartilhei meus segredos culinários. Abri as portas da minha casa para ela. Ela jantou na minha mesa, brincou com a minha filha. Lúcia a adorava.
Eu a chamei de minha "protegida". A imprensa adorava essa história. A grande chef Isabela e sua jovem pupila.
Que tola eu fui.
Que cega.
Ela parou a um passo de mim, o cheiro do seu perfume doce me enjoando.
"Eu sei que você está com raiva", ela começou.
"Raiva não é a palavra, Sofia", minha voz saiu rouca.
Ela suspirou, um suspiro de mártir. E então, a máscara caiu completamente.
"Olha, eu não queria que fosse assim, mas aconteceu", ela disse, o tom agora firme, quase desafiador. "Eu e o Ricardo nos amamos. E eu estou grávida. Isso é um fato."
Ela colocou a mão na barriga de novo. Aquele gesto. Era uma arma, e ela sabia como usá-la.
"Você não pode competir com isso, Isabela. Você deu a ele uma família, uma carreira. Eu estou dando a ele um novo começo. Uma nova vida."
A audácia dela me deixou sem fôlego. Ela não estava se desculpando. Estava se gabando. Estava me dizendo que eu perdi.
"Você realmente acha que isso é sobre amor?", perguntei, uma calma gelada se apossando de mim.
"Claro que é. O que mais seria?"
Eu ri. Um som seco, sem humor.
"Não seja ingênua, Sofia. Você não me engana mais. Isso nunca foi sobre amor. Foi sobre ambição. Você viu o Ricardo e não viu um homem, viu um atalho. Um degrau para subir na vida."
O rosto dela se fechou. "Isso não é verdade."
"É claro que é. Você é calculista. Oportunista. Usou a minha confiança, a minha casa, a minha família. Você não o ama. Você ama o que ele representa: status, dinheiro, acesso. Você é uma parasita."
Cada palavra saía com precisão cirúrgica. Eu via o impacto delas em seus olhos. A surpresa, a raiva. Ela não esperava isso. Esperava lágrimas, gritos, descontrole. Esperava a mulher "histérica" que Ricardo descreveu.
Ela deu um passo para trás, o rosto pálido.
Eu dei um passo à frente, invadindo seu espaço pessoal.
"Deixa eu te dizer o que vai acontecer agora", eu sussurrei, minha voz baixa e intensa. "Você pode ter o homem. Pode ter o bebê. Mas você nunca terá o meu respeito. E você nunca terá a minha carreira."
Inclinei-me para mais perto, meu rosto a centímetros do dela.
"Eu te ensinei a cozinhar, Sofia. Mas esqueci de te ensinar a lição mais importante: na minha cozinha, eu sempre venço. E esta cidade é a minha cozinha."
"Você está me ameaçando?", ela gaguejou, o medo finalmente aparecendo em seus olhos.
"Não", eu disse, me afastando e ajeitando meu dólmã impecavelmente branco. "Isso não é uma ameaça. É uma promessa."
Virei as costas e a deixei sozinha no beco escuro, tremendo. Pela primeira vez naquela noite, eu não me senti como uma vítima. Eu me senti como uma lutadora. A guerra tinha apenas começado.