Sofia ficou paralisada no beco, a arrogância substituída por um medo visível.
A imagem do seu rosto assustado me deu uma satisfação fria e passageira.
Voltei para dentro, não para a cozinha, mas para o pequeno escritório que eu dividia com Ricardo. Nosso escritório. A palavra agora soava estranha.
Ele estava lá, andando de um lado para o outro como um animal enjaulado. Tinha trocado de camisa e penteado o cabelo, uma tentativa patética de restaurar a normalidade.
Quando me viu, ele parou.
"Isabela, graças a Deus. Onde você estava? Eu te procurei por toda parte."
Ele tentou soar preocupado, mas a ansiedade em sua voz era palpável.
"Não se preocupe", eu disse, fechando a porta atrás de mim. "Eu não fiz a cena que você tanto temia. Seu precioso evento está intacto."
Ele relaxou visivelmente, passando a mão pelo rosto. "Ótimo. Ótimo. Eu sabia que você seria razoável."
"Razoável?", repeti, olhando ao redor do escritório. Nossas fotos, prêmios lado a lado, uma vida inteira de conquistas compartilhadas. Tudo parecia uma mentira. "Você me trai com a minha protegida, ela engravida, e eu sou a razoável por não gritar no meio do seu evento?"
"Por favor, não vamos começar de novo", ele pediu, o tom suplicante. "Podemos resolver isso. Nós somos uma equipe, Isa."
A ironia era tão espessa que eu quase podia tocá-la.
"Nós não somos uma equipe, Ricardo. Uma equipe não mente, não trai, não planeja pelas costas."
Caminhei até a minha mesa e comecei a juntar minhas coisas: meu livro de receitas pessoal, uma foto de Lúcia, minha caneta favorita.
"O que você está fazendo?", ele perguntou, o pânico voltando à sua voz.
"Eu estou fazendo o que deveria ter feito há muito tempo", eu disse, sem olhar para ele. "Estou vendo as coisas como elas realmente são."
Fiz uma pausa e finalmente o encarei.
"Sabe, eu sempre te admirei. O grande sommelier Ricardo, o homem que encanta a todos com seu charme e seu conhecimento. Eu te apoiei. Eu abri mão de convites, de oportunidades, de noites de sono para que você pudesse brilhar, para que pudéssemos construir isso juntos."
Meus olhos varreram a sala.
"Eu sacrifiquei tempo com a nossa filha para criar os pratos que te fizeram famoso, os pratos que você harmonizava com seus vinhos caros. Eu construí a fundação desta casa, tijolo por tijolo, enquanto você construía a sua imagem."
Ele ficou em silêncio, incapaz de negar.
"E enquanto eu estava na cozinha, trabalhando até a exaustão por 'nós', você estava... onde, Ricardo? Ocupado com a sua 'nova vida'?"
A culpa finalmente pareceu atingi-lo, ou talvez fosse apenas o medo de perder o conforto que eu proporcionava.
"Isa, eu sinto muito. Eu cometi um erro terrível."
"Não", eu o corrigi. "Um erro é algo que você comete uma vez. O que você fez foi uma escolha. Repetida. Deliberada."
Coloquei minhas coisas em uma sacola.
"Você quer ser razoável? Então vamos ser. Eu vou para a casa da Mariana hoje à noite. Amanhã, eu volto para pegar minhas roupas e as coisas da Lúcia. Eu preciso de espaço, Ricardo. Preciso pensar."
A palavra "divórcio" pairava no ar, não dita, mas pesada e inevitável.
"Espaço? Isabela, não seja ridícula!", ele protestou. "Nós temos uma filha! Não podemos simplesmente... nos separar."
"Eu não estou sendo ridícula", eu disse, caminhando em direção à porta. "Estou sendo a única adulta nesta sala. Você fez a sua escolha. Agora me deixe fazer a minha."
Abri a porta e saí, deixando-o sozinho com o eco das minhas palavras e o castelo de cartas que era a nossa vida desmoronando ao seu redor.