Amor e Ódio na Tempestade
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Capítulo 4

"Uma pessoa precisa aprender a se virar sozinha, Ana," eu digo, minha voz calma cortando seus soluços. "Você não pode esperar que os outros sempre resolvam seus problemas por você. Isso se chama crescer."

Ela para de chorar por um instante, olhando para mim como se eu tivesse acabado de falar em outra língua. O choque em seu rosto é quase cômico. A ideia de ter que fazer algo por si mesma é completamente estranha para ela.

Seu cérebro egoísta rapidamente procura outro alvo. Seus olhos se desviam de mim e focam na escada, esperando que seu salvador apareça. E, como se fosse uma deixa, João desce, bocejando, com uma xícara de café na mão.

"O que está acontecendo? Por que essa gritaria tão cedo?", ele pergunta, sua voz sonolenta e alheia à guerra fria que se desenrola na sala.

O rosto de Ana se ilumina. "Pai!", ela corre em sua direção, agarrando seu braço. "A mamãe enlouqueceu! Ela não quer me deixar ir ver meus pais e eles vão morrer de frio!"

Meu sangue ferve. A maneira como ela distorce a verdade, a maneira como se pinta de vítima. Na vida passada, João teria caído nessa armadilha. Ele teria olhado para mim, confuso, e dito: "Maria, por que você está sendo tão dura? É a família dela."

Eu me lembro de João, congelado na neve. Um homem bom e gentil, cuja única falha foi não reconhecer o mal quando ele estava bem na sua frente. Desta vez, eu não vou deixar que a bondade dele nos mate.

Antes que João possa responder, eu intervenho.

"Não é verdade, João. Eu incentivei Ana a ir. Apenas disse a ela que precisa encontrar seu próprio meio de transporte."

João olha de mim para Ana, confuso. "Transporte? Mas e o Paulo? Ele não pode levá-la?"

"Eu dei folga a todos os funcionários, querido," eu explico, com um tom de preocupação fingida. "A tempestade vai ser terrível. Não seria seguro para ninguém dirigir. A última coisa que queremos é um acidente, não é?"

Eu coloco a mão no braço dele, transmitindo uma calma que não sinto.

"Ela é sua filha, Maria! Como você pode colocar um funcionário acima dela?", Ana grita, incrédula.

A acusação paira no ar. João me olha, esperando uma resposta. Ele ainda não entende. Ele ainda vê a garotinha que criamos, não a mulher egoísta que ela se tornou.

Eu suspiro, um som cansado e deliberado. "Não se trata de colocar ninguém acima de ninguém, Ana. Trata-se de responsabilidade. Você tomou uma decisão de viajar em cima da hora, no meio de um alerta de tempestade. Você precisa arcar com as consequências das suas escolhas."

João, que sempre valorizou a lógica e a razão, começa a entender meu ponto de vista, mesmo que seu coração de pai proteste.

"Maria tem razão, Ana," ele diz, com a voz mais firme. "Foi imprudente da sua parte não se planejar melhor. Por que você não liga para seus pais e diz que vai assim que a tempestade passar?"

"Porque pode ser tarde demais!", ela insiste, sua voz subindo uma oitava. "Eles não têm comida, não têm aquecimento! Vocês não entendem? Vocês vivem neste luxo e não sabem o que é passar necessidade!"

A acusação de luxo, vinda da garota que está usando sapatos de grife e carregando caixas do que ela acredita serem joias de milhares de reais, é a gota d'água para João.

A confusão em seu rosto se transforma em raiva.

"Luxo? Este 'luxo', como você chama, foi construído com nosso trabalho duro! Um luxo que compartilhamos com você sem pensar duas vezes! Demos a você tudo, Ana! Educação, roupas, viagens! E é assim que você nos agradece? Cuspindo no prato em que comeu a vida inteira?"

A fúria de João é rara, e por isso, ainda mais poderosa. Ana recua, chocada com a explosão dele. Ela nunca o tinha visto assim.

Eu assisto, em silêncio. A primeira rachadura na imagem perfeita que Ana tinha de seu "pai" manipulável acabara de aparecer. E fui eu que a criei.

                         

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