A presença dele ali, agindo com tanta naturalidade, foi a confirmação final. A raiva de João Carlos atingiu o ponto de ebulição.
"Ricardo!" Ana Lúcia exclamou, correndo em direção a ele, como se tentasse interceptá-lo. "O que você está fazendo? Vá embora!"
Mas Ricardo a ignorou. Ele colocou o sorvete e as flores na mesa e se aproximou dela, passando a mão suavemente por sua barriga.
"Calma, meu amor. Não se estresse, não faz bem para o nosso bebê." O gesto foi íntimo, possessivo. Ele olhou para João Carlos por cima do ombro de Ana Lúcia, com um brilho de triunfo nos olhos. "Parece que a surpresa não foi só sua, não é, João Carlos?"
Aquela cena, a mão dele no ventre que carregava o filho dele, a forma como ele a chamava de "meu amor", tudo isso na sua frente, foi mais do que João Carlos podia suportar. A humilhação era física, uma pressão no peito que o impedia de respirar.
"Seu desgraçado", rosnou João Carlos, avançando em direção a Ricardo.
"Opa, calma aí, campeão", disse Ricardo, levantando as mãos em um gesto de falsa rendição. "Não vamos resolver as coisas como animais, vamos? Somos todos adultos aqui."
"Adultos?" gritou João Carlos. "Você entra na minha vida, engravida a minha esposa, mora com ela pelas minhas costas e me chama de animal?"
A adrenalina bombeava em suas veias. Ele cerrou os punhos, a vontade de apagar aquele sorriso arrogante do rosto de Ricardo era avassaladora.
"Tecnicamente," Ricardo continuou, o tom provocador, "ela me procurou. E, bem, eu sou um homem doente, sabe? Um último desejo." Ele deu uma piscadela.
Aquilo foi o estopim. A menção cínica à sua suposta doença, a arrogância, a total falta de remorso. João Carlos explodiu. Ele se lançou para frente e acertou um soco no rosto de Ricardo.
Ricardo cambaleou para trás, surpreso pela força do golpe. Um filete de sangue escorreu do canto de sua boca.
"João, para!" gritou Ana Lúcia, jogando-se entre os dois homens.
Mas João Carlos estava cego de fúria. Ele tentou empurrá-la para o lado para chegar em Ricardo novamente.
"Saia da frente, Ana Lúcia!"
"Não! Pare com isso! Ele está doente!" ela berrou, empurrando João Carlos com toda a sua força. "Você quer matar um homem com câncer?"
Ela se virou para Ricardo, o rosto cheio de preocupação, tocando seu rosto onde o soco havia acertado. "Você está bem, Rick? Ele te machucou?"
E então, o golpe final. Ana Lúcia se postou na frente de Ricardo, de braços abertos, protegendo-o com seu próprio corpo, o corpo que carregava o filho dele. Ela olhava para João Carlos não como uma esposa, mas como uma inimiga, defendendo seu amante.
Naquele instante, algo dentro de João Carlos se quebrou de forma irreparável. A mulher que ele amava, a mulher com quem ele dividiu uma cama e uma vida por cinco anos, estava ali, defendendo o homem que o havia destruído. Ela o escolheu. Na frente dele. Sem hesitação.
A força o abandonou. Seus braços caíram ao lado do corpo. A raiva deu lugar a uma dor vazia e avassaladora. Era como se seu coração tivesse sido arrancado do peito, deixando um buraco gelado. Ele olhou para os dois, parados juntos, uma frente unida contra ele, o intruso.
Ele era o estranho ali.
"Você o escolheu", disse João Carlos, a voz rouca, quase inaudível. "Você o protegeu."
"João, não é isso..." ela começou a dizer, mas as palavras morreram em sua boca. Ela sabia que era exatamente isso.
Ele deu um passo para trás, depois outro. A visão dos dois juntos, a preocupação dela por ele, a aliança deles, era uma imagem que ficaria gravada em sua mente para sempre. A traição não era mais apenas um ato, era uma escolha, uma declaração pública. E ele tinha acabado de perdê-la, para sempre, para o homem que sorria vitoriosamente por trás dela.