A voz era de sua mãe. O tapa, também. Sofia piscou, a visão embaçada focando lentamente. Ela não estava no hospital, morrendo lentamente como em sua memória. Estava em sua própria casa, a pequena sala de estar inundada pela luz do sol da manhã do Rio de Janeiro. Seus olhos, chocados, moveram-se instintivamente para o calendário pendurado na parede da cozinha.
25 de novembro de 2005.
Seu coração deu um salto violento. Ela havia renascido. Este era o primeiro ano de seu casamento com Rafael Costa, o ano em que ela havia retornado de sua viagem de intercâmbio. Uma onda de emoções a atingiu, a amargura da vida passada misturada com a descrença estupefata do presente. Naquela vida, ela morreria em menos de três meses, e seu marido, o homem que ela amou com toda a sua alma, se casaria com sua irmã, Beatriz Mendes.
A alma de Sofia, em sua vida passada, riu amargamente dessa ironia. Agora, de volta a este corpo, ela não sentia nada além de um frio cortante.
Ela olhou para sua mãe, o rosto da mulher contorcido de fúria, e as memórias deste dia exato voltaram com uma clareza dolorosa. Ela e Bia tinham se candidatado à mesma agência de publicidade. Sofia foi aceita por mérito, seu portfólio e experiência do intercâmbio a destacaram. Bia não foi. E agora, sua mãe estava aqui, não para parabenizá-la, mas para culpá-la por "roubar" o que, em sua mente, pertencia a Bia.
Na vida passada, Sofia, desesperada pela aprovação de sua mãe e querendo evitar conflitos, cedeu. Ela ligou para a agência e desistiu da vaga. Mas nesta vida, as coisas seriam diferentes. Ela não seria mais a dona de casa submissa, a filha obediente que sacrificava tudo pela felicidade dos outros. Nesta vida, ela viveria por si mesma.
Sofia respirou fundo, endireitou os ombros e encarou a mãe com uma firmeza que a mulher nunca tinha visto antes.
"Mãe, o emprego na agência de publicidade é por mérito", disse Sofia, sua voz surpreendentemente calma e firme. "Eu conquistei com a minha capacidade, como isso pode ser roubo?"
A mãe de Sofia ficou boquiaberta. Sua filha mais velha, sempre tão quieta e dócil, nunca havia respondido a ela. Ela abriu a boca para soltar outra torrente de repreensões, mas foi interrompida por uma voz grave e melodiosa vinda da porta.
"Mãe, a Sofia está errada em relação ao emprego da Bia. De agora em diante, a Sofia vai entregar todo o seu salário para a Bia até que ela encontre um emprego."
Sofia virou-se abruptamente, o coração congelando no peito. Lá estava ele. Rafael Costa. Seu marido. O futuro diretor de uma grande empresa de tecnologia, atualmente um gerente sênior em ascensão. Seus olhos eram profundos e penetrantes, seus traços faciais bem definidos, um terno elegante cobrindo seu corpo, exalando uma aura de dignidade e autoridade que sempre a intimidou.
Os olhos de Sofia ficaram vermelhos, e uma risada amarga e silenciosa borbulhou dentro dela. Nada havia mudado. Rafael ainda era o mesmo da vida passada, sempre favorecendo Bia, sempre colocando as necessidades e desejos de Bia acima dos dela. E ela, tola, na vida passada, pensava que ele cuidava de Bia por causa dela, como um cunhado atencioso. Que piada. Agora, com a clareza da morte e do renascimento, ela via a verdade. Ele cuidava de Bia por interesse próprio.
Sofia se acalmou, a dor em seu rosto nada comparada à dor em seu coração. Ela o olhou diretamente, o ressentimento vazando em sua voz. "Com que direito você decide por mim?"
Rafael franziu a testa, um lampejo de surpresa em seus olhos profundos. A Sofia de antes nunca o olharia assim, com desafio. Ela sempre o olhava com adoração e um pouco de medo. Antes que ele pudesse formular uma resposta, uma figura mais suave apareceu na porta.
Beatriz Mendes. Seus olhos estavam vermelhos, sua voz embargada, como se estivesse à beira das lágrimas. "Mãe, Rafael, não culpem a Sofia. Somos uma família, eu não me importo! Já preparei o jantar lá em casa, vamos comer juntos!"
Dizendo isso, Bia se aproximou e pegou a mão de Sofia, seu toque suave, mas possessivo. "Sofia, não fique brava, está bem?"
A mesma peça de teatro. Tanto na vida passada quanto nesta, Bia sempre foi a mestre em se fazer de boazinha, a vítima inocente e bondosa, deixando todos os outros no papel de vilões. Sofia foi enganada por essa atuação por anos. Mas não mais. Uma percepção súbita e fria a atingiu. Mesmo depois de casada com Rafael, por todos esses anos, Bia nunca o chamou de "cunhado".
Sofia decidiu esperar para ver o que aconteceria. Ela se deixou ser levada por Bia de volta à casa dos pais, um lugar que nunca pareceu seu lar.
Na mesa de jantar, o clima era tenso. Sofia mal havia pegado os talheres quando sua mãe a fuzilou com um olhar frio.
"Para que você serve? Casou e até agora não deu um herdeiro para a família Costa, nem parece preocupada!"
Bia, ao lado, concordou com uma expressão de falsa preocupação. "Sofia, se você realmente não conseguir engravidar, a gente deveria ir ao hospital para fazer uns exames."
Sofia parou, os dedos apertando o garfo com força. Ela não disse nada. Sua mãe, no entanto, continuou, a voz carregada de desdém.
"Se você não tivesse voltado, a Bia e o Rafael já teriam filhos grandes!"
O rosto de Bia corou instantaneamente e ela abaixou a cabeça, fingindo vergonha. Rafael interveio rapidamente, sua voz cortante. "Mãe, pare de falar bobagem."
Mas o dano já estava feito. O rosto de Sofia endureceu. Na vida passada, sua mãe a pressionou da mesma forma. A pressão a deixou tão estressada que ela não conseguia comer nem dormir direito, desesperada para ter um filho com Rafael. Mas quando ela abordou o assunto com ele, a resposta dele foi fria e distante: "Quero dedicar minha energia à empresa, então não vamos ter filhos por enquanto."
Pensando agora, ela percebeu. Ele provavelmente só não queria ter filhos com ela.
Uma clareza dolorosa a invadiu. Sofia largou os talheres na mesa com um baque suave e um sorriso leve e frio surgiu em seus lábios.
"Mãe, já que você quer tanto netos, então peça para a Bia e o Rafael terem filhos."
O ar na mesa de jantar pareceu congelar. O silêncio foi quebrado pelo som de um soluço. A primeira a reagir foi Bia, os olhos agora cheios de lágrimas de verdade.
"Sofia, a mamãe só estava brincando, por que você levou a sério? Eu sou sua irmã, como eu posso ter filhos com o Rafael?"
Mesmo em meio às lágrimas, ela ainda não mudou a forma como chamava Rafael. Sofia riu friamente por dentro, mantendo o silêncio.
Rafael largou seus talheres, o rosto uma máscara de fúria. Ele olhou para Sofia como se ela fosse uma estranha. "Que bobagem você está falando?"
No segundo seguinte, ele se levantou abruptamente, agarrou o braço de Sofia e a puxou para fora de casa, longe dos olhares da mãe e da irmã.
Do lado de fora, a noite estava começando a esfriar. Rafael a soltou e a encarou, a insatisfação clara em seu rosto. "A mamãe estava brincando, e a Bia só estava preocupada com você. Por que você tem que estragar o clima em casa?"
Sofia olhou diretamente para ele, uma névoa de lágrimas não derramadas embaçando sua visão. "Eu não acho que seja brincadeira. Todo mundo dizia que você e a Bia estavam prestes a ficar juntos naquela época."
Era verdade. Na vida passada, Bia foi quem foi selecionada para o intercâmbio no interior. Mas seus pais, que sempre favoreceram a filha mais nova e frágil, a forçaram a ir em seu lugar. Sofia não queria ir, mas Rafael a convenceu. "Se você for no lugar da Bia, nós nos casaremos quando você voltar", ele prometeu. E por causa dessa promessa, ela foi sem hesitar. Ela trabalhou duro, teve sorte e conseguiu uma vaga para retornar à sua cidade natal depois de três anos. Ao voltar, ela se casou com Rafael, como ele havia prometido, mas o mundo sussurrava que ela havia roubado o namorado de sua irmã. Ingênua, ela acreditou que eram apenas boatos maldosos.
Agora, diante da reação dele, a verdade parecia mais clara.
Rafael ficou em silêncio por um longo momento, a testa franzida. "Você é jornalista, os fatos precisam de provas! Você acredita em boatos? Agora que estamos casados, serei responsável por você até o fim, e é impossível que eu fique com a Bia. Então, pare de pensar bobagens."
Ele a olhou friamente, sua voz desprovida de qualquer calor. "Já que você não quer jantar, vá para casa."
Dito isso, Rafael se virou e voltou para dentro da casa dos Mendes. Quase imediatamente, Sofia pôde ouvir o som de risadas e conversas animadas recomeçando. Era como se a sua ausência tornasse o jantar mais leve e feliz para todos eles.
Ela ficou paralisada no lugar, o vento do outono parecendo penetrar em seus ossos através de suas roupas finas, gelando-a até a alma. Aquela casa nunca a havia acolhido. Aquela família nunca a havia amado. Depois de um momento que pareceu uma eternidade, ela se virou e começou a caminhar para longe.
No caminho de volta para sua própria casa, ela passou por um grupo de senhoras do bairro, sentadas em cadeiras de plástico na calçada, conversando e comendo pipoca. Ao vê-la, uma delas a chamou.
"Não é a Sofia Mendes, a filha mais velha da família Mendes?"
"Ouvi dizer que você foi intercambista e voltou! Dizem que as intercambistas são as que mais chamam a atenção dos homens lá do interior, Sofia! Diga a verdade para nós, não vamos contar para ninguém, você tinha vários namorados lá?"
Sofia parou, o corpo tenso. Esses rumores a perseguiam desde que ela voltou. Na vida passada, ela sempre os ignorou, não querendo criar problemas. Mas agora, ela não aguentava mais.
Ela endureceu o rosto e encarou as mulheres. "Vocês estão espalhando boatos! Se eu ouvir isso de novo, vou processar vocês por difamação!"
As senhoras se entreolharam, chocadas com sua resposta direta. Sofia não esperou pela reação delas e saiu apressadamente. Mas mesmo enquanto se afastava, ela ainda podia ouvir suas vozes queixosas.
"Não acredito que ela voltou virgem. E mesmo assim, o gerente Costa ainda quis casar com ela. Não sei que feitiço ela jogou nele!"
Sofia acelerou o passo, deixando as palavras desagradáveis para trás.
Naquela noite, Rafael não voltou para casa. Ele apenas enviou um de seus subordinados para avisá-la que ele teria uma viagem de trabalho no dia seguinte e que passaria a noite na empresa para se preparar. Se era verdade ou não, Sofia não se importava mais. Ela foi para a cama cedo, o cansaço daquele dia pesando sobre ela. Na manhã seguinte, ela acordou, vestiu-se e foi para a agência de publicidade para seu primeiro dia de trabalho. A vida que ela deveria ter tido.
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