O Preço da Ganância Familiar
img img O Preço da Ganância Familiar img Capítulo 1
2
Capítulo 5 img
Capítulo 6 img
Capítulo 7 img
Capítulo 8 img
Capítulo 9 img
Capítulo 10 img
Capítulo 11 img
Capítulo 12 img
Capítulo 13 img
Capítulo 14 img
Capítulo 15 img
Capítulo 16 img
Capítulo 17 img
Capítulo 18 img
Capítulo 19 img
Capítulo 20 img
Capítulo 21 img
Capítulo 22 img
Capítulo 23 img
img
  /  1
img

Capítulo 1

A ligação da minha mãe, Dona Clara, chegou no meio da tarde, interrompendo a paz rara que eu finalmente encontrava. Com quase oito meses de gravidez, cada momento de silêncio era precioso. Eu estava sentada no sofá, com os pés para cima, enquanto meu marido, Pedro, montava o berço do nosso primeiro filho no quarto ao lado. O som da parafusadeira era a trilha sonora da nossa expectativa.

"Sofia, minha filha, como você está?"

A voz dela soava estranhamente animada, um tom que eu não ouvia há muito tempo.

"Estou bem, mãe. Só um pouco cansada. O bebê não para de se mexer."

"Ah, que maravilha! Mas escute, seu pai e eu estávamos pensando. Já está quase na hora, não é? Você precisa vir para casa. É melhor ter seu filho aqui, com a sua família por perto para ajudar."

Eu franzi a testa. Voltar para a casa dos meus pais? A ideia parecia absurda. Eu e Pedro tínhamos nossa própria casa, nossa vida, e estávamos perfeitamente preparados.

"Mãe, agradeço a preocupação, mas não precisa. O hospital é perto daqui, e Pedro está comigo. Nós damos conta."

"Não seja teimosa, Sofia. Você é mãe de primeira viagem, não sabe o trabalho que dá. E temos uma surpresa para você! Algo maravilhoso. Por favor, venha. Seu pai já está indo te buscar."

Antes que eu pudesse protestar, ela desligou. Pedro apareceu na porta da sala, com a testa suada e um sorriso orgulhoso.

"O berço está pronto. O que sua mãe queria?"

"Ela quer que eu vá para a casa dela para ter o bebê. Disse que tem uma surpresa."

Pedro me olhou, confuso. "Surpresa? Que tipo de surpresa?"

"Eu não sei. Mas ela insistiu. Meu pai já está vindo me buscar."

Uma hora depois, contra a minha vontade, eu estava no carro do meu pai, Sr. Jorge, a caminho da casa onde cresci. Ele falava sem parar sobre coisas triviais, evitando olhar nos meus olhos. Havia uma tensão no ar, algo que eu não conseguia identificar.

Quando chegamos, a porta se abriu e minha mãe apareceu, com um sorriso largo no rosto. Foi então que eu vi. O choque me paralisou na porta. Minha mãe, Dona Clara, aos 53 anos de idade, também estava grávida. E não era uma gravidez inicial, sua barriga era enorme, quase tão grande quanto a minha.

"Surpresa!", ela disse, rindo como se fosse a coisa mais normal do mundo.

Eu não conseguia falar. Olhei do meu pai para a minha mãe, tentando processar a cena. Ele apenas deu de ombros, com um sorriso sem graça.

"O que... o que é isso?", consegui gaguejar.

"Nós vamos ter um menino, filha! Você vai ganhar um irmãozinho! Não é uma bênção?"

Eu entrei na casa como se estivesse sonhando. Minha mente girava. Uma mãe de 53 anos, um pai de 56. Um irmãozinho. Nada daquilo fazia sentido. Senti uma onda de náusea e um pressentimento terrível começou a se formar no meu peito. A surpresa não era uma bênção, era o começo de um pesadelo.

Minha mãe me guiou pela casa, falando sem parar sobre os planos para o bebê, o nome escolhido, as roupinhas que já tinha comprado. Eu a seguia em silêncio, a confusão dando lugar a uma crescente ansiedade. Como eles iriam cuidar de um recém-nascido nessa idade? Meu pai estava perto de se aposentar, e a situação financeira deles nunca foi das melhores. A preocupação com o futuro deles, e do bebê, pesava em minha mente, uma nuvem escura sobre a suposta alegria do momento.

Eu pensava nos custos, nas noites sem dormir, na energia que um bebê exige. Eles não eram mais jovens. A realidade da situação começou a me atingir com força, e o sorriso forçado no meu rosto mal conseguia esconder o turbilhão de pensamentos. Eles pareciam viver em um mundo de fantasia, enquanto eu só via as dificuldades práticas e o fardo financeiro que um filho traria para eles naquela fase da vida.

"E temos mais uma surpresa para você ver!", disse minha mãe, me puxando pela mão em direção ao corredor.

Ela abriu a porta do meu antigo quarto. O lugar estava irreconhecível. As paredes, que antes eram de um lilás suave, agora estavam pintadas de azul-bebê. Onde ficava minha cama de solteiro, agora havia um berço branco, idêntico ao que Pedro acabara de montar na nossa casa. Uma cômoda com trocador ocupava o espaço da minha escrivaninha. Meu quarto, meu refúgio de adolescente, tinha sido completamente apagado, transformado no quarto do meu futuro irmão.

Meu coração afundou. Era como se a minha própria história naquela casa tivesse sido varrida para dar lugar a outra. Olhei em volta, procurando por qualquer vestígio de mim. Meus livros, meus quadros, minhas fotos. Nada.

"Mãe, onde estão as minhas coisas?", perguntei, a voz falhando.

Ela deu um gesto vago com a mão. "Ah, aquelas coisas velhas? Estão em umas caixas na garagem. Já não tinham mais utilidade, não é? Precisávamos de espaço para o quartinho dele. Ficou lindo, não ficou?"

Eu não respondi. Fui até o canto onde minha prateleira de livros costumava ficar. Lembrei-me de cada livro, cada um comprado com o meu próprio dinheiro, economizado dos pequenos trabalhos que fazia. Lembrei-me de um pequeno urso de pelúcia, um presente da minha avó, que sempre ficava no topo da estante. Ele também não estava lá. Aquilo era mais do que apenas reorganizar um quarto. Era um apagamento.

A sensação de não pertencer mais àquele lugar foi avassaladora. Eu era uma visita na minha própria casa. Pior, eu sentia que minha chegada, com meu próprio filho a caminho, era um inconveniente para os planos grandiosos que eles tinham para o novo herdeiro. Será que eles me queriam ali para ajudar, ou para outra coisa? A pergunta pairava no ar, sem resposta, me deixando com uma sensação de isolamento e medo.

Tentei engolir o nó na garganta. Não queria começar uma briga, não com a minha barriga de oito meses e a dela de sete. Respirei fundo, tentando manter a calma, mas a imagem do meu quarto transformado, das minhas memórias encaixotadas na garagem, não saía da minha cabeça. Era um sinal claro, uma mensagem silenciosa de que o meu lugar naquela família estava sendo redefinido, e não era a meu favor.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022