Havia um sorriso mal contido em seus lábios, um brilho de satisfação em seus olhos. Ela se aproximou e tocou o ombro de Ana.
"Se precisar de qualquer coisa, me diga."
A ironia era tão espessa que Ana quase engasgou. Ela apenas assentiu, mantendo o papel da vítima abalada.
"Obrigada, Patrícia."
O Sr. Silva pigarreou, interrompendo o momento.
"Bom, o Dr. Ricardo concordou em nos encontrar hoje. Todos nós. Para... esclarecer as coisas."
A Sra. Silva acrescentou rapidamente, olhando para as duas.
"Decidimos que é melhor irmos em carros separados, para evitar qualquer... desconforto. Patrícia, você vem conosco. Ana, você pode pegar um ônibus, certo? É melhor assim."
O coração de Ana deu um salto. Era exatamente como no sonho. Naquela outra vida, ela obedecia. Pegava o ônibus, que quebrava no caminho. Ela chegava atrasada, suja e desesperada, enquanto Patrícia já tinha tido horas para encantar o Dr. Ricardo com suas mentiras. O atraso de Ana foi interpretado como falta de interesse e desrespeito, selando seu destino.
Mas desta vez seria diferente.
"Claro", disse Ana com a voz mansa. "Eu vou de ônibus."
Enquanto se levantava da mesa, Patrícia a seguiu até a porta.
"Espere, Ana", disse ela, estendendo um sanduíche embrulhado em um guardanapo. "Fiz para você. Para a viagem. Você não comeu nada."
Ana olhou para o sanduíche. No sonho, ela o comia. Continha um laxante forte. Ela passava mal no ônibus, tornando sua chegada ao encontro ainda mais humilhante.
Ela pegou o sanduíche, forçando um sorriso de gratidão.
"Nossa, Patrícia... você não precisava. Muito obrigada."
Ela segurou o sanduíche com firmeza. Era a prova. A prova da maldade de Patrícia.
Ana saiu de casa e caminhou em direção ao ponto de ônibus, como esperado. Assim que dobrou a esquina, viu o carro dos Silva passar por ela. Patrícia, no banco do passageiro, olhou para trás e sorriu, um sorriso de vitória.
Foi então que o inesperado aconteceu. O Sr. Silva, que estava no banco de trás, abriu a janela. Ele parecia irritado.
"Que cheiro estranho é esse? Vem desse sanduíche que você deu para a Ana?", ele perguntou à Patrícia.
Antes que Patrícia pudesse responder, o Sr. Silva, impaciente, arrancou o sanduíche da mão de Ana que ainda estava visível pela janela enquanto ela andava.
"Deixa eu ver isso."
Ele cheirou o embrulho e fez uma careta.
"Isso está estragado. Joga fora!"
Sem pensar duas vezes, ele arremessou o sanduíche na lixeira mais próxima na calçada. Patrícia ficou pálida, sem conseguir protestar.
Ana observou a cena, escondendo um sorriso. Às vezes, a ignorância e a grosseria do Sr. Silva podiam ser úteis. Uma pequena vitória que o universo lhe dera.
Ela continuou andando até o ponto de ônibus, esperou o carro dos Silva sumir de vista e então deu meia-volta. Caminhou na direção oposta, sacou o celular do bolso e chamou um táxi. Ela tinha algum dinheiro guardado, economizado de pequenas vendas que os Silva não sabiam.
Dentro do táxi, a caminho do escritório do Dr. Ricardo, Ana se permitiu relaxar pela primeira vez. Ela não estava mais seguindo o roteiro do pesadelo. Ela estava escrevendo sua própria história. E ela chegaria primeiro.