"Ana! Como você chegou tão rápido?", perguntou a Sra. Silva, desconfiada.
"O ônibus não demorou", mentiu Ana, com simplicidade.
Patrícia olhou para o rosto cansado de Ana, para suas roupas simples, e um sorriso de escárnio surgiu em seus lábios. Ela interpretou a aparência de Ana como um sinal de derrota.
"Você parece péssima, querida", disse Patrícia, com falsa compaixão. "Deve ter sido uma noite difícil."
O prazer em sua voz era evidente. Ela se sentia superior, a vencedora daquela disputa silenciosa.
Antes que a troca de gentilezas falsas pudesse continuar, a porta principal se abriu novamente. Um homem de aparência distinta, com cabelos grisalhos e um terno impecável, entrou na sala. Era o Dr. Ricardo. Ele não estava sozinho. Ao seu lado, estavam uma mulher elegante e um garoto adolescente que se parecia muito com ele. Sua esposa e seu filho mais novo.
A chegada da família biológica de Ana, inteira e real, mudou completamente a dinâmica da sala. Patrícia, que se preparara para encantar um homem solitário e carente, pareceu desconcertada. Ela olhou para a esposa do Dr. Ricardo, uma mulher bonita e segura de si, e seu sorriso vacilou.
Ela lançou um olhar de desprezo para a família. Não era isso que ela esperava. Uma família completa era mais difícil de manipular do que um pai enlutado.
Dr. Ricardo sorriu calorosamente, mas seus olhos estavam focados apenas em Ana.
"Ana. É um prazer finalmente conhecê-la pessoalmente."
Ele se aproximou e, ignorando todos os outros, pegou a mão dela com gentileza.
"Eu sou um grande admirador do seu trabalho há muito tempo."
Ana sentiu um calor que não vinha de um pesadelo. Era real. O apoio que ela sempre sonhou estava bem ali, na sua frente.
Após uma conversa tensa e formal, onde Patrícia tentou sem sucesso contar sua história triste mais uma vez, o Dr. Ricardo tomou uma decisão.
"Faremos o teste de DNA, como a senhorita Patrícia sugeriu. Amanhã. Até lá, Ana, gostaria que você viesse ficar conosco. Temos muito o que conversar."
A oferta era um claro sinal de sua preferência. Patrícia ficou lívida de raiva. Os Silva ficaram em pânico.
Naquela noite, de volta à casa dos Silva, o clima era de velório. Ana, sabendo que estava de saída, começou a arrumar suas poucas coisas em uma caixa de papelão. Suas roupas, alguns livros e as poucas peças de cerâmica que não haviam sido destruídas.
Patrícia entrou no quarto sem bater.
"Arrumando suas tralhas para ir embora?", ela zombou, encostada no batente da porta. "Não se acostume com o luxo. Assim que o resultado do DNA sair, você voltará para este buraco."
Ana a ignorou, continuando a dobrar uma camiseta.
"Você é patética", continuou Patrícia, caminhando pelo quarto. "Uma órfã que deu sorte por um tempo, mas seu tempo acabou. O lugar ao lado do Dr. Ricardo é meu. A vida que ele pode oferecer é minha."
Ela parou ao lado da caixa e pegou uma pequena escultura de um pássaro, uma das primeiras peças que Ana fez.
"Isso é horrível. Quem compraria uma coisa dessas?"
Com um movimento rápido, Patrícia jogou a escultura no chão, onde ela se espatifou.
Ana parou. Ela olhou para os cacos no chão, depois para Patrícia. Não havia lágrimas em seus olhos. Apenas um frio calculista.
"Você pode quebrar o que quiser, Patrícia", disse Ana, com a voz calma e firme. "Você pode mentir, enganar e roubar. Mas você nunca terá uma coisa: talento. E isso te corrói por dentro, não é?"
Ela se levantou e olhou Patrícia nos olhos.
"Aproveite sua noite. Acho que será a última que você passará se sentindo vitoriosa."
O desprezo na voz de Ana era tão palpável que Patrícia recuou um passo, surpresa com a súbita demonstração de força. Pela primeira vez, ela sentiu uma pontada de dúvida.