A Primavera de Maria
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Capítulo 3

A descoberta aconteceu por acaso, numa terça-feira chuvosa.

João estava em uma viagem de negócios. Eu estava usando o computador dele para resolver umas coisas do seguro do carro quando o programa de armazenamento em nuvem, o WPS, abriu sozinho, sincronizando arquivos.

Uma pasta chamou minha atenção. Ela estava escondida, com um nome que fez meu coração parar por um instante.

"Meu Amor".

Minhas mãos começaram a tremer. Um instinto primitivo, uma certeza gelada me disse para não abrir. Mas eu não consegui evitar. Meu dedo clicou no mouse antes que minha mente pudesse processar.

O que eu vi lá dentro me quebrou em mil pedaços.

Não era uma pasta bagunçada. Era um arquivo meticulosamente organizado. Havia 27 subpastas, nomeadas por mês e ano, começando mais de dois anos atrás. Dentro delas, 810 documentos de texto.

Oitocentos e dez.

Cada documento era uma entrada de diário, uma carta de amor, um registro da relação dele com Joana. A organização era tão metódica, tão precisa, que tornava tudo ainda mais doentio.

Eu comecei a ler.

Era uma história de amor "platônica", segundo eles. Uma conexão de "almas gêmeas". Ele a chamava de "minha única esposa nesta vida". Ela o chamava de "irmão".

As palavras eram ardentes, cheias de uma paixão e uma intimidade que eu não compartilhava com meu marido há anos. Eles falavam sobre sonhos, sobre medos, sobre como se entendiam de uma forma que ninguém mais entendia. Falavam sobre a "santidade" do amor deles, um amor que, segundo eles, transcendia o físico.

Era a traição mais pura e hipócrita que eu já tinha visto.

Mas não era só isso. A pasta revelava um lado muito mais sombrio.

Em uma das entradas, João celebrava o fato de Joana ter conseguido fazer com que uma colega de trabalho mais velha, que tinha um desempenho ruim, fosse demitida. Joana havia manipulado a situação, espalhado rumores, e João a aplaudia por isso.

"Você é tão inteligente e forte, meu amor. Você merece o melhor", ele escreveu. Era um ato de crueldade disfarçado de romance, um conluio para prejudicar os outros em benefício próprio.

Eu continuei lendo, documento após documento. Li sobre como ele mentiu para mim para poder encontrá-la, sobre os presentes que ele deu a ela, sobre os planos que eles faziam para o futuro, um futuro no qual eu claramente não estava incluída.

Passei duas horas sentada naquela cadeira, lendo. Quando terminei, eu sentia um frio que vinha de dentro dos ossos, como se eu estivesse em um freezer. Meu corpo todo doía.

A pasta se chamava "Meu Amor".

Mas o que havia dentro não era amor. Era um veneno doce, uma mentira bem contada. Era a destruição do meu mundo, meticulosamente documentada e arquivada para a posteridade.

O paraíso que eu pensei que estávamos construindo era, na verdade, o jardim particular dele, um jardim poluído onde ele cultivava seu "amor sagrado" com outra mulher.

            
            

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