Descanse em Paz, Mãe
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Capítulo 1

O cheiro de metal e algo doce, podre, enchia o laboratório. Foi a primeira coisa que Caio percebeu, antes mesmo de seus olhos se ajustarem à luz fraca da sala de pesquisa de sua mãe. O alarme de segurança desligado, a porta arrombada, tudo gritava que algo estava terrivelmente errado. Então ele a viu.

Sua mãe, Helena, uma pesquisadora renomada, uma mulher cuja mente era tão brilhante quanto seu sorriso, estava caída perto de sua mesa de trabalho. Seu rosto, que ele conhecia em cada detalhe, estava desfigurado, uma massa irreconhecível de violência. O chão ao redor dela estava manchado de um vermelho escuro e pegajoso.

Caio sentiu o ar abandonar seus pulmões. Um som estrangulado escapou de sua garganta, um som que ele não reconheceu como seu. Ele correu para o lado dela, seus joelhos batendo com força no chão frio, sem se importar com o sangue que manchava suas calças.

"Mãe? Mãe, por favor..."

Ele estendeu a mão, mas parou. Tocar nela parecia uma profanação. Seus olhos percorreram a sala em pânico, procurando por algo, qualquer coisa que fizesse sentido. A mesa de trabalho dela estava revirada. Papéis espalhados, equipamentos quebrados. E o mais importante, o drive de segurança que continha todo o seu projeto de vida, a pesquisa que consumiu suas últimas duas décadas, havia sumido.

O projeto não era apenas trabalho, era o legado dela. E agora, tinha sido roubado junto com sua vida.

A raiva e a dor se misturaram em seu peito, uma tempestade que ameaçava afogá-lo. Ele pegou o telefone, seus dedos tremendo tanto que mal conseguiu discar o número de sua esposa, Bruna.

Ela atendeu no terceiro toque, sua voz soando distante e um pouco irritada.

"Caio? O que foi? Estou no meio de uma reunião."

"Bruna... é a mamãe." A voz de Caio era um sussurro rouco. "Alguém a matou. Alguém a matou e roubou o projeto dela."

Houve um silêncio na linha. Não o silêncio chocado que ele esperava, mas um silêncio frio, calculado.

"Onde você está?", ela perguntou, sua voz desprovida de qualquer emoção.

"No laboratório dela. Bruna, você precisa vir aqui. A polícia..."

"Não chame a polícia ainda", ela o cortou. "Eu estou a caminho. Não toque em nada."

A ligação terminou. Caio ficou olhando para o telefone, uma sensação fria de pavor se espalhando por ele, um pavor que não tinha nada a ver com a cena horrível à sua frente.

Quando Bruna chegou, vinte minutos depois, seu assistente, Thiago, estava com ela. Caio nunca gostou de Thiago. Havia algo de escorregadio em seu sorriso, algo de falso em seus olhos.

Bruna entrou na sala, seu olhar passando rapidamente pelo corpo de Helena antes de se fixar na desordem da mesa. Ela não demonstrou tristeza, nem choque. Apenas uma avaliação fria.

"Você tem certeza que o projeto sumiu?", ela perguntou, sua voz baixa e controlada.

Caio a encarou, incrédulo.

"Ela está morta, Bruna! Minha mãe está morta no chão, e é com isso que você se preocupa?"

"Caio, seja prático", disse ela, ajeitando o blazer caro. "Sua mãe era uma figura pública. Isso vai ser um escândalo. Precisamos controlar a narrativa."

Thiago se aproximou, colocando uma mão no ombro de Caio. O toque era para ser reconfortante, mas fez a pele de Caio se arrepiar.

"Caio, a Bruna está certa. Estamos pensando no legado da sua família."

Caio se afastou do toque dele, seu olhar indo de Thiago para Bruna. De repente, ele se sentiu como um estranho em sua própria tragédia. Eles se moviam pela sala não como pessoas de luto, mas como controladores de danos.

"O legado da minha família?", Caio cuspiu as palavras, a dor se transformando em fúria. "Minha mãe e meu pai serviram este país. Eles eram heróis. Ela dedicou a vida àquela pesquisa para ajudar as pessoas. Isso não é sobre controlar uma narrativa, é sobre justiça!"

Ele se virou para Bruna, seu rosto uma máscara de súplica desesperada.

"Bruna, por favor. Você me amava. Você amava minha mãe. Ela te tratava como uma filha. Temos que encontrar quem fez isso."

Memórias de jantares em família, de Helena rindo de uma piada de Bruna, de Helena a aconselhando sobre a carreira, inundaram a mente de Caio. Como ela podia estar tão fria?

Bruna suspirou, um som de pura impaciência.

"Caio, você está sendo histérico. Provavelmente foi um assalto que deu errado. Um viciado desesperado por dinheiro."

"Eles não levaram a carteira dela! Eles não levaram as joias! Eles levaram a pesquisa!", ele gritou, sua voz ecoando na sala silenciosa e cheia de morte. "Isso não foi aleatório!"

Thiago interveio novamente, seu tom falsamente suave.

"Talvez você devesse ir para casa, Caio. Deixe a gente cuidar disso. Você não está em condições."

"Cuidar disso?", Caio riu, um som amargo e quebrado. "O que isso significa? Ligar para a imprensa com uma declaração bem escrita?"

O olhar de Bruna endureceu. Pela primeira vez, ele viu algo além da indiferença em seus olhos. Era desprezo.

"Significa que vamos lidar com isso como adultos, e não como uma criança chorona. Sua mãe se foi. Aceite."

As palavras o atingiram como um tapa. Ele olhou para sua esposa, a mulher com quem dividia a cama, e viu uma completa estranha. Uma estranha com olhos de gelo e um coração de pedra.

Nesse momento, olhando para o corpo de sua mãe e para os rostos frios de sua esposa e do assistente dela, Caio soube de duas coisas com uma certeza terrível. Ele estava sozinho. E ele não descansaria até que a justiça fosse feita.

Ele se levantou, seu corpo inteiro tremendo de raiva e determinação. Ele tirou o telefone do bolso novamente, mas desta vez, discou o número da polícia.

"Meu nome é Caio Arruda. Eu quero relatar um assassinato."

Ele olhou diretamente para Bruna enquanto falava, um desafio silencioso passando entre eles. A batalha pela memória de sua mãe tinha acabado de começar.

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