Sua primeira ação foi pedir a uma enfermeira que ligasse para sua esposa. Ele precisava ouvi-la, precisava confrontá-la, precisava de alguma prova de que a mulher fria que ele viu no beco não era real.
A enfermeira voltou alguns minutos depois com uma expressão de pena.
"Sua esposa disse que está muito ocupada para vir, senhor Arruda. Ela disse que você tem um histórico de se meter em brigas e que ela... não pode mais lidar com isso."
As palavras caíram como pedras no estômago de Caio. Ocupada. Ocupada leiloando o legado de sua mãe. Ocupada com Thiago.
"Ela disse mais alguma coisa?", perguntou Caio, sua voz rouca.
"Ela mencionou que mandaria o assistente dela, um tal de... Thiago, para resolver a papelada do hospital mais tarde."
A bile subiu pela garganta de Caio. Eles nem sequer tinham a decência de fingir. Eles o estavam descartando como lixo.
A solidão e o desespero o engoliram. Ele estava sozinho, quebrado, e os monstros que destruíram sua família estavam livres, celebrando sua vitória.
Dois dias se passaram em um nevoeiro de dor e medicação. No terceiro dia, um policial entrou em seu quarto. Ele não veio para dar uma atualização sobre o caso de sua mãe. Ele veio com mais notícias devastadoras.
"Senhor Arruda, sinto muito em lhe informar", disse o policial, seu tom formal e desconfortável. "Houve um incêndio em sua residência na noite passada. A casa foi completamente destruída."
Caio ficou olhando para ele, sem compreender.
"Incêndio? Como?"
"A investigação inicial aponta para incêndio criminoso. Encontramos vestígios de acelerante por todo o porão."
A casa. A casa onde ele cresceu. A casa cheia de memórias de seu pai, de sua mãe, de toda a sua vida. Reduzida a cinzas.
Ele sabia quem tinha feito isso. Era mais uma mensagem de Bruna e Thiago. Apagar o passado. Apagar qualquer coisa que o ligasse a eles.
Uma fúria fria e dura substituiu o desespero. Ele não ia ficar deitado naquela cama esperando pelo próximo golpe.
Naquela noite, quando a enfermeira do turno da noite estava ocupada, Caio arrancou o cateter de sua mão. Ignorando a dor aguda em suas costelas e a tontura em sua cabeça, ele vestiu as roupas que o hospital lhe deu e saiu mancando do quarto. Ele desceu pelas escadas de serviço e saiu para a noite fria da cidade, um fantasma fugindo de seu próprio túmulo.
Ele não tinha para onde ir, exceto um lugar. As ruínas de sua casa.
Ele pegou um ônibus e depois caminhou os últimos quarteirões. O cheiro de fumaça e madeira queimada ficou mais forte a cada passo. Quando ele virou a esquina, a visão o fez parar.
Onde antes havia uma casa cheia de amor e vida, agora havia apenas um esqueleto carbonizado contra o céu noturno. Fitas amarelas da polícia cercavam a propriedade.
Mas não estava vazia.
Um carro de luxo, o carro de Bruna, estava estacionado na rua. E através dos restos da parede da sala de estar, ele viu movimento. Duas silhuetas recortadas contra a luz da lua.
Ele se esgueirou pelos fundos, seu corpo protestando a cada movimento. Ele olhou através de uma janela quebrada.
Lá dentro, em meio aos destroços e à fuligem, estavam Bruna e Thiago. E eles não estavam inspecionando os danos.
Bruna estava pressionada contra uma parede chamuscada, rindo, enquanto Thiago a beijava apaixonadamente. Suas mãos estavam por toda parte, explorando, possuindo. Era uma cena de intimidade crua e faminta, encenada sobre o túmulo de suas memórias.
Caio sentiu o estômago revirar. Era profano. Doentio.
Ele precisava ouvir. Ele se arrastou para mais perto, escondendo-se atrás do que restou de um pilar da varanda.
"...você acha que ele sobreviveu?", a voz de Bruna era ofegante, excitada.
"Quem se importa?", respondeu Thiago, beijando o pescoço dela. "Mesmo que tenha sobrevivido, não há mais nada para ele. Sem mãe, sem casa, sem esposa."
Ele riu, um som presunçoso.
"Foi genial queimar este lugar. Apaga todas as provas, todos os traços."
"E foi tão excitante", sussurrou Bruna, puxando-o para mais perto.
Caio teve que morder a própria mão para não gritar. Provas? Que provas?
Como se lesse seus pensamentos, Thiago se afastou um pouco de Bruna, seu rosto se tornando sério por um momento.
"Foi necessário, querida. Sua sogra tinha backups escondidos nesta casa. Registros de suas verdadeiras atividades. Tivemos que ter certeza de que tudo se foi."
Caio congelou. Backups? Atividades verdadeiras? O que isso significava?
Bruna fez um beicinho.
"Não vamos falar sobre a velha agora. Vamos falar sobre nós. Sobre o nosso futuro. Sobre todo o dinheiro que vamos ganhar."
Ela o puxou para outro beijo, mais profundo e mais desesperado.
Caio se afastou, seu coração batendo como um martelo. Ele tinha ouvido o suficiente. Ele tinha visto o suficiente.
Eles não apenas o traíram. Eles o haviam apagado. E no processo, revelaram que a morte de sua mãe era ainda mais complexa do que ele imaginava.
Ele olhou para a cena dentro das ruínas - a paixão deles ardendo sobre as cinzas de sua vida - e a dor em seu coração se cristalizou em algo novo. Algo duro, afiado e mortalmente focado.
Não era mais sobre justiça. Era sobre vingança.
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