Lembrou-se de quando conheceu Bruna. Ela era ambiciosa, cheia de vida. Ele a amava por isso. Ele abriu mão de sua própria carreira militar, uma tradição de família, para apoiá-la em seus sonhos de negócios. Ele usou suas economias, o dinheiro que seu pai lhe deixou, para financiar os primeiros empreendimentos dela. Ele acreditava nela. E ela usou essa crença para destruí-lo.
Uma noite, ele a confrontou. Ele a encontrou na cozinha improvisada que eles montaram nos escombros, rindo de algo no celular.
"Como você pôde?", ele perguntou, sua voz baixa e rouca pelo desuso.
Bruna nem mesmo olhou para ele.
"Como eu pude o quê, Caio? Viver minha vida?"
"Você estava com ele. Desde o início, não estava?"
Ela finalmente ergueu os olhos, e eles estavam frios.
"Thiago me entende. Ele entende o que é ambição. Ele não fica choramingando sobre o passado e sobre 'honra'. Ele vê o futuro."
"O futuro que vocês construíram sobre o cadáver da minha mãe?", ele cuspiu.
A mão dela se moveu rápido, e o tapa estalou no silêncio.
"Não fale dela!", ela sibilou. "Tudo isso é sua culpa! Se você não fosse tão fraco, tão apegado a ela, nada disso teria acontecido!"
Era uma lógica tão distorcida, tão doentia, que Caio só conseguiu encará-la, chocado.
Thiago entrou na sala naquele momento, colocando um braço possessivo ao redor dos ombros de Bruna.
"Algum problema, querida?"
"Nenhum", disse Bruna, aconchegando-se nele. "Caio estava apenas tendo um de seus ataques."
Esse se tornou o padrão. Thiago o provocava sutilmente. Bruna o culpava por tudo. E Caio, enfraquecido pela dor e pela fome, absorvia o abuso. Era uma tortura psicológica, dia após dia. Eles o mantinham por perto como um troféu de sua vitória, um cão espancado que servia para lembrá-los de quão poderosos eles eram.
Mas algo dentro de Caio estava mudando. A dor estava se solidificando em resolução. Ele estava observando, aprendendo, esperando.
Certa tarde, ele ouviu Bruna e Thiago discutindo em voz baixa. Eles mencionaram um nome, "Tio Ricardo", e um "encontro de veteranos". O nome soou um sino na mente de Caio. Tio Ricardo era o melhor amigo de seu pai, um general de alta patente. Ele não o via desde o funeral de seu pai, anos atrás.
Uma faísca de esperança se acendeu na escuridão.
Naquela noite, Caio tomou uma decisão. Ele encontrou Bruna sozinha.
"Eu quero o divórcio", disse ele, sua voz firme pela primeira vez em semanas.
Bruna riu na cara dele.
"Divórcio? Você não tem nada, Caio. Você é nada. Você vai me dar o divórcio quando eu disser, e nos meus termos."
"Você não vai me manter aqui como seu prisioneiro."
"Eu vou te manter aqui pelo tempo que eu quiser!", ela gritou, seu rosto se contorcendo de raiva.
Thiago apareceu, como sempre, atraído pelo conflito.
"O cachorrinho está mostrando os dentes?", ele zombou, aproximando-se de Caio. "Acho que ele precisa de outra lição."
Ele empurrou Caio com força.
Mas desta vez, Caio não cedeu. A raiva acumulada por semanas, a dor, a humilhação, tudo explodiu. Ele revidou. Seu punho acertou a mandíbula de Thiago com um som surdo e satisfatório.
Thiago cambaleou para trás, surpreso. Mas a surpresa durou apenas um segundo. Uma fúria assassina tomou conta de seus olhos.
"Você está morto", ele rosnou.
Ele não veio sozinho. Dois seguranças que agora estavam permanentemente na propriedade correram para ajudar. Eles agarraram Caio, segurando seus braços.
Thiago se aproximou, limpando um filete de sangue do canto da boca. E então ele começou a socar Caio. No rosto, no estômago, repetidamente. Os seguranças o seguravam, transformando-o em um saco de pancadas humano.
Caio sentiu suas costelas quebrarem. O gosto de sangue encheu sua boca novamente. Sua visão começou a escurecer.
Ele caiu de joelhos quando os seguranças o soltaram. Ele olhou para cima, através de um olho inchado, e viu Bruna.
Ela não estava horrorizada. Ela não estava nem mesmo com raiva. Ela estava sorrindo. Um sorriso pequeno, satisfeito e cruel.
"Viu?", ela disse, sua voz calma e cortante como vidro quebrado. "É isso que acontece quando você me desafia. Você sempre perde."
Ela se agachou na frente dele, o rosto dele agora no nível dos sapatos caros dela.
"Você não é um herói, Caio. Você não é seu pai. Você não é nada. Apenas um erro que estou corrigindo."
Ela se virou e foi embora, deixando-o sangrando e quebrado no chão sujo, com o som da risada de Thiago ecoando em seus ouvidos.
Enquanto a escuridão o reivindicava, um único pensamento permaneceu: Tio Ricardo. Era sua única chance. Se ele pudesse sobreviver a isso, ele o encontraria. Ele tinha que encontrar.
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