"O destino" , dizem, "é a soma de todas as nossas escolhas." Mas às vezes, ele parece uma piada cruel, escrita por um roteirista sádico que se delicia com o nosso sofrimento.
Eu sentia a verdade dessa piada em cada fibra do meu corpo.
Uma dor aguda e lancinante rasgava meu ventre, me fazendo dobrar sobre a mesa do ateliê. As tintas e os pincéis, meus companheiros de uma vida, pareciam zombar de mim, imóveis e indiferentes.
"Lucas" , sussurrei, o suor frio escorrendo pela minha testa.
Tentei me levantar, mas a dor veio em outra onda, mais forte, me forçando a cair de joelhos no chão de madeira. O cheiro de terebintina e óleo de linhaça, que antes me acalmava, agora me sufocava.
Eu precisava do meu marido.
Com as mãos trêmulas, peguei meu celular do bolso do avental manchado de tinta. Disquei o número dele, o único que eu sabia de cor, o número que eu discava para compartilhar boas notícias, para ouvir sua voz, para me sentir segura.
O telefone chamou uma, duas, três vezes.
No quarto toque, ele atendeu. A voz dele não era de preocupação. Era de pura irritação.
"Sofia? O que foi agora? Eu estou no meio de uma coisa muito importante."
Sua voz estava distante, abafada por risadas e música ao fundo.
"Lucas, eu não estou bem" , consegui dizer, a voz embargada pela dor. "A dor... voltou. Está muito forte."
Houve um silêncio do outro lado da linha, preenchido pelo som de uma mulher rindo perto dele. Reconheci aquela risada. Isabella.
"Dor? Sofia, você não pode estar falando sério" , ele respondeu, o tom de descaso cortando mais fundo que a dor física. "Nós já conversamos sobre isso. A Isabella precisa de mim agora. O carro dela quebrou no meio da estrada, e o pai dela está viajando. Quem mais ela teria?"
"Mas, Lucas, é sério... eu acho que preciso ir para o hospital."
Minha súplica foi recebida com um suspiro impaciente.
"Pare de ser tão dramática. Você sempre faz isso quando eu estou com a Isabella. É só uma cólica. Tome um remédio. Eu não posso simplesmente abandoná-la aqui. Tenha um pouco de consideração."
Ele desligou.
Apenas... desligou.
Fiquei ali, de joelhos no chão frio, o celular na mão, ouvindo o silêncio do outro lado da linha. O som da risada de Isabella ecoava na minha cabeça. Ele a escolheu. De novo.
A dor se intensificou, uma torção cruel dentro de mim. Eu sabia que aquilo não era uma cólica. Era algo terrivelmente errado. Com o resto de força que me restava, me arrastei até o sofá. Tentei ligar para ele mais uma vez. Talvez agora ele entendesse.
A chamada caiu direto na caixa postal.
Desisti e liguei para uma ambulância. Enquanto esperava, a agonia me consumindo, peguei o celular novamente, o polegar tremendo sobre o ícone do Instagram. Um vício masoquista.
Não precisei procurar muito.
A primeira foto no meu feed era uma publicação de Isabella. Era uma selfie dela e de Lucas, sorrindo para a câmera. Ele tinha o braço em volta dos ombros dela, um sorriso largo e genuíno no rosto, um sorriso que eu não via direcionado a mim há muito tempo. Eles estavam em um bar chique, um drink colorido na mão de cada um.
A legenda dizia: "Comemorando 15 anos da melhor amizade do mundo! Obrigada por sempre estar aqui pra mim, Lu. Você é meu anjo da guarda. Te amo, meu irmão."
'Irmão' .
A palavra era uma mentira descarada. O olhar dele para ela não era de um irmão. A forma como ele a abraçava não era de um irmão.
Eles não estavam em uma estrada escura com um carro quebrado. Estavam celebrando. Enquanto eu estava aqui, sozinha, perdendo talvez a coisa mais preciosa que já tivemos, ele estava comemorando sua "amizade" com ela.
Uma onda de amargura e náusea me subiu pela garganta, mais forte que a dor. A piada cruel do destino. Ele estava celebrando a lealdade a outra mulher, enquanto sua esposa e seu filho por nascer precisavam dele.
Naquele momento, eu entendi tudo. Eu não era a prioridade dele. Talvez nunca tivesse sido. Eu era um obstáculo conveniente para a verdadeira história de amor da vida dele.
A sirene da ambulância soou ao longe, se aproximando. Era o som do fim. O fim da minha ilusão, o fim da minha família, o fim da Sofia ingênua que acreditava em contos de fadas com amores de infância.