Entre Dor e Triunfo
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Capítulo 2

A luz branca e fria do hospital era ofuscante. O cheiro de antisséptico preenchia o ar, um cheiro limpo que contrastava com a sujeira que eu sentia na minha alma. A médica me deu a notícia com uma voz suave e profissional, mas suas palavras foram como marteladas.

"Sinto muito, senhora. O estresse foi muito severo. Você perdeu o bebê."

Eu não chorei. As lágrimas pareciam congeladas dentro de mim. Havia apenas um vazio gelado onde antes havia esperança.

Naquele quarto estéril, com o bipe monótono de uma máquina ao meu lado, eu tomei minha decisão. Não foi um impulso de raiva. Foi uma conclusão fria e lógica.

Era hora do divórcio.

Quando Lucas finalmente apareceu, horas depois, seu rosto não mostrava preocupação, mas sim uma frustração mal disfarçada. Ele provavelmente tinha vindo direto do bar, porque o cheiro fraco de álcool e do perfume floral de Isabella o acompanhava.

"Sofia" , ele começou, a voz baixa, como se estivesse com medo de ser ouvido. "O que aconteceu? As enfermeiras não me disseram nada, só que era uma emergência."

Eu o encarei, meu rosto desprovido de qualquer expressão.

"Acabou, Lucas."

Ele franziu a testa, confuso. "O que acabou? O drama? Espero que sim, porque a Isabella ficou super preocupada, coitada."

"O nosso casamento" , eu disse, cada palavra saindo com uma clareza cortante. "Eu quero o divórcio."

A confusão no rosto dele se transformou em descrença, e depois em raiva.

"Divórcio? Você ficou louca? Nós prometemos um ao outro, na frente de todo mundo, 'na alegria e na tristeza' . Você esqueceu?"

Ele deu um passo para mais perto da cama, sua voz se tornando mais alta e agressiva.

"E agora você quer jogar tudo fora por causa de uma briguinha idiota? Você não consegue viver sem mim, Sofia. O que você vai fazer? Voltar a ser uma artista faminta? Você precisa de mim."

Suas palavras eram um veneno familiar, uma mistura de promessas passadas e humilhação presente, projetada para me manter pequena, dependente.

"Você está envelhecendo, Sofia" , ele continuou, sua boca se curvando em um sorriso de escárnio. "Você tem quase trinta anos. Quem vai te querer agora? Uma artista fracassada, amarga e cheia de rugas."

Enquanto ele cuspia seu veneno, minha atenção estava em outro lugar. Estava na dor surda no meu ventre, um lembrete físico e constante do vazio. Era como se meu corpo estivesse de luto, mesmo que minha mente estivesse em modo de batalha. Eu podia sentir o sangue, uma prova final e silenciosa da nossa perda. Nosso filho, que ele nem sabia que existia, se foi. E ele estava ali, me insultando.

Duas enfermeiras passaram pelo corredor e olharam para dentro do quarto. Uma sussurrou para a outra, mas eu ouvi claramente.

"É ele. O marido que demorou horas para chegar. Estava com a outra, a tal da 'melhor amiga' ."

A outra balançou a cabeça em desaprovação.

A humilhação pública era apenas sal na ferida aberta.

Uma lembrança me veio à mente. Um ano atrás, eu peguei uma gripe terrível, mal conseguia sair da cama. Lucas reclamou que tinha que cancelar um jogo de futebol com os amigos para "cuidar de mim" , o que significava me trazer um copo d' água e pedir comida por aplicativo antes de se trancar no escritório para jogar online.

Duas semanas depois, Isabella ligou choramingando porque tinha torcido o tornozelo na academia. Lucas largou uma reunião importante no meio, dirigiu pela cidade inteira para levá-la ao hospital, comprou seus remédios, cozinhou para ela e ficou ao seu lado até ela dormir, segurando uma bolsa de gelo no tornozelo dela.

Quando eu mencionei a diferença de tratamento, ele explodiu.

"Você não entende? A Isabella não tem ninguém! Ela é frágil! Você é forte, Sofia, você sempre se vira."

A força que ele tanto elogiava era, na verdade, a minha sentença de abandono.

Eu trouxe meu olhar de volta para ele, o homem que eu um dia amei.

"Sua relação com ela não é normal, Lucas."

A raiva no rosto dele se intensificou, as veias em seu pescoço saltando.

"Não comece com isso de novo! Meu Deus, como você pode ser tão suja? Isabella é minha irmã! Você está doente de ciúmes, é isso! Sua mente é doentia e pervertida por pensar uma coisa dessas!"

Ele apontava o dedo para mim, o rosto vermelho de fúria. E ali, deitada naquela cama de hospital, sentindo a maior perda da minha vida, eu não senti mais nada por ele. Nem amor, nem raiva, nem tristeza. Apenas um cansaço profundo.

O homem que deveria me proteger era a minha maior ameaça. O homem que deveria me amar era a fonte da minha maior dor.

            
            

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