Ele se virou e foi para a cozinha, sem me oferecer uma mão, sem perguntar se eu estava bem. Eu me levantei com dificuldade, minhas pernas fracas. A dor no meu ventre era um lembrete constante de tudo que eu havia perdido por causa dele.
Uma lembrança me atingiu com força. Anos atrás, antes de nos casarmos, sofremos um pequeno acidente de carro. Ninguém se feriu gravemente, mas eu fiquei em pânico. Lucas me abraçou no meio da rua, com o trânsito parado, e sussurrou no meu ouvido: "Eu nunca vou deixar nada de mal te acontecer. Eu sempre vou te proteger, Sofia. Sempre."
A ironia era tão amarga que quase me fez rir. O meu protetor era o meu carrasco.
Entrei na cozinha e a cena que vi foi a de uma domesticidade doentia. Isabella estava sentada à mesa, vestindo um dos roupões de seda dele, enquanto Lucas colocava um prato de panquecas com calda de chocolate na frente dela.
"Aqui está, Bella. Do jeito que você gosta, com gotas de chocolate extra" , ele disse com um sorriso carinhoso, um sorriso que um dia foi meu.
Ele me viu parada na porta e sua expressão se tornou neutra. Ele apontou para a cafeteira.
"O café está pronto. Sirva-se."
Ele não me ofereceu comida. Não perguntou se eu estava com fome. Eu era apenas uma presença incômoda em sua nova vida perfeita.
Naquela noite, para minha surpresa, ele sugeriu que fôssemos jantar fora. "Só nós dois" , ele disse. "Precisamos conversar, colocar as coisas no lugar."
Uma parte estúpida de mim sentiu uma faísca de esperança. Talvez ele tivesse se arrependido. Talvez ele quisesse consertar as coisas. Eu concordei, planejando usar a oportunidade para falar sobre os papéis do divórcio de forma calma e definitiva.
No carro, o silêncio era pesado. Notei um batom vermelho forte manchando o colarinho da camisa dele, da mesma cor que Isabella usava. Quando perguntei, ele mentiu sem hesitar.
"Deve ser seu. Você me abraçou antes de sairmos."
Eu não usava batom vermelho há anos.
Chegamos a um restaurante italiano caro, o nosso favorito para ocasiões especiais. Assim que nos sentamos, o celular dele começou a apitar incessantemente. Ele sorria para a tela, digitando rapidamente. Consegui ver o nome do contato por cima do ombro dele.
"Minha Bellinha ❤️" .
O nome era uma facada. Ele olhou para mim, o sorriso desaparecendo.
"É só o pessoal do trabalho. Um problema urgente."
Claro que era.
A noite já era um desastre, mas estava prestes a piorar.
"Olha quem está aqui!"
A voz estridente de Isabella cortou o ar. Ela apareceu ao lado da nossa mesa, radiante em um vestido vermelho justo.
"Que coincidência! Estava passando e vi vocês. Posso me juntar?"
Antes que eu pudesse dizer não, Lucas já estava puxando uma cadeira para ela. "Claro, Bella! Sente-se."
Ela se sentou ao lado dele, a coxa pressionada contra a dele por baixo da mesa. A provocação era óbvia.
De repente, a atenção de Lucas se desviou para a porta. Um homem alto e bem-vestido estava acenando para Isabella de outra mesa. Ela sorriu e acenou de volta.
O rosto de Lucas se fechou.
"Quem é aquele cara?" , ele perguntou, a voz carregada de ciúmes.
"Ah, é o Ricardo. Um amigo da academia" , Isabella respondeu, despreocupada.
"Eu não gosto do jeito que ele olha para você" , Lucas rosnou, possessivo.
O homem se levantou e começou a caminhar em direção à nossa mesa, provavelmente para cumprimentar Isabella. Lucas se levantou abruptamente, o corpo tenso.
"Fique longe dela" , ele disse ao homem, que parou, confuso.
Tudo aconteceu muito rápido. Um garçom, assustado com a tensão súbita, tropeçou perto da nossa mesa. Uma bandeja de metal pesada, cheia de pratos quentes, voou pelo ar, direto na nossa direção.
Em um piscar de olhos, vi o que aconteceu. Foi um movimento instintivo, puro e revelador.
Lucas não me puxou para perto. Ele não tentou me proteger.
Ele me empurrou.
Ele usou meu corpo como um escudo para proteger Isabella.
Senti o impacto brutal da bandeja nas minhas costas e na minha cabeça. A dor foi explosiva, um clarão branco atrás dos meus olhos. Caí no chão, o som de pratos se quebrando ecoando ao meu redor.
"Sofia!"
Minha cabeça latejava. Senti algo quente e pegajoso escorrendo pela minha nuca. Sangue.
"Lucas... me ajuda..." , sussurrei, a visão ficando turva.
Mas ele não estava olhando para mim. Ele estava curvado sobre Isabella, que choramingava.
"Você está bem, Bella? Você se machucou? Meu Deus, me desculpe, me desculpe..."
Ele a segurava, examinando cada centímetro dela, enquanto eu sangrava no chão a menos de um metro de distância.
Ele nem sequer olhou na minha direção.
A última coisa que vi antes de a escuridão me engolir foi o rosto dele, cheio de uma preocupação desesperada.
Uma preocupação que não era para mim.