Ele me mostrou a troca de mensagens quando nos encontramos para um café. "Ela é persistente" , ele comentou, com um ar de diversão.
"Você ainda não viu nada" , eu disse.
E eu estava certa. Dois dias depois, Clara apareceu no restaurante de Ricardo. Sozinha. Ela se sentou no bar, pediu o coquetel mais caro e ficou lá, mexendo no celular, mas seus olhos estavam sempre atentos, procurando por ele. Ricardo, seguindo minhas instruções, a cumprimentou brevemente e depois a ignorou pelo resto da noite, focando sua atenção nos outros clientes e na cozinha.
Eu sabia de tudo porque uma das minhas funcionárias, a Laura, estava jantando lá com o namorado. Ela me mandou mensagens durante toda a noite.
"Sua prima está aqui. Ela parece um falcão esperando para atacar."
"Ricardo nem olhou para ela. Ela parece estar ficando irritada."
No final da noite, Laura me ligou. "Ela foi embora furiosa. Acho que o plano dele de ignorá-la funcionou."
Mas eu sabia que aquilo não a deteria. Pelo contrário, a resistência de Ricardo só a tornaria mais determinada. Para Clara, tudo era uma conquista, um troféu a ser exibido. Um homem que a ignorava era o desafio supremo.
A verdadeira escalada aconteceu no final de semana. Eu estava no meu apartamento, revisando as contas da confeitaria, quando a campainha tocou. Era Ricardo. Ele parecia tenso.
"Temos um problema" , ele disse, entrando sem ser convidado. "Ela apareceu no meu apartamento."
Meu estômago gelou. O apartamento dele era seu espaço privado, seu santuário.
"Como ela conseguiu seu endereço?"
"Eu não sei. Ela simplesmente apareceu na portaria, dizendo que era uma entrega para mim. O porteiro, um idiota, a deixou subir."
Ele andava de um lado para o outro na minha pequena sala.
"Ela trouxe uma garrafa de vinho caríssimo. Disse que queria se desculpar por qualquer mal-entendido. Que ela só queria ser nossa amiga."
"E você?" , perguntei, minha voz mais firme do que eu me sentia.
"Eu disse que não era um bom momento. Que você e eu tínhamos planos. Tentei ser firme, Sofia, mas ela... ela não aceita 'não' como resposta. Ela insistiu, disse que só ficaria cinco minutos."
Eu fechei os olhos. Eu podia imaginar a cena. Clara, com seu sorriso encantador e sua falsa vulnerabilidade, se fazendo de vítima, fazendo Ricardo se sentir culpado por ser rude.
"Ela entrou?" , perguntei, já sabendo a resposta.
Ele parou de andar e me olhou. Havia uma ponta de culpa em seus olhos.
"Por dois minutos. Eu a deixei na porta, disse que realmente precisava sair. Ela me entregou o vinho e me deu o número de telefone dela. 'Caso você mude de ideia sobre a amizade' , ela disse."
Eu me sentei no sofá. Isso era uma escalada significativa. Ela não estava mais apenas testando as águas. Ela estava invadindo. Quebrando barreiras físicas.
Ricardo se sentou ao meu lado. "Sofia, talvez isso seja mais complicado do que pensávamos. Ela é... implacável."
Eu olhei para ele. Para o golpista charmoso que estava acostumado a manipular os outros. E pela primeira vez, eu o vi desconfortável, um pouco fora de seu elemento. Clara era um tipo diferente de predadora, uma com a qual ele não estava acostumado a lidar.
"Eu sei" , eu disse, calmamente. "É por isso que a escolhi."
Mas por dentro, uma parte de mim sentia uma pontada de desapontamento. Ele tinha cedido. Mesmo que por dois minutos, ele a deixou entrar. A primeira fissura na armadura havia aparecido.
Eu senti uma onda de emoções conflitantes. Parte de mim estava satisfeita, porque a fraqueza dele era essencial para o plano. Ele precisava ceder a ela, pouco a pouco, até que estivesse completamente enredado na teia dela. Mas outra parte de mim, uma parte que eu odiava admitir que existia, sentia-se traída. Era uma traição encenada, um relacionamento falso, mas a sensação era real.
Era o eco de todas as outras vezes que Clara tinha invadido minha vida e tomado o que era meu. A sensação de ser impotente, de ver alguém que deveria estar ao meu lado ceder ao encanto venenoso dela.
Eu me recompus rapidamente. Não havia espaço para sentimentos. Havia apenas o plano.
"Está tudo bem, Ricardo" , eu disse, minha voz soando controlada. "Isso era esperado. Agora, a próxima vez que ela te pressionar, você cede um pouco mais. Aceite um café. Diga que é para esclarecer as coisas, para não haver clima ruim entre nós três. Mas faça isso parecer como se fosse ideia sua."
Ele me olhou, surpreso com minha calma.
"Você é fria, Sofia."
"O mundo me fez assim" , respondi, pegando meu casaco. "Agora vamos. Temos um encontro para manter as aparências, lembra?"
Enquanto saíamos para a noite, eu sabia que a armadilha estava se fechando. Não apenas para Clara, mas para Ricardo também. E no centro de tudo, eu observava, calculava e esperava o momento certo para puxar os fios. O desapontamento que eu senti era apenas combustível. Era um lembrete do porquê eu estava fazendo tudo aquilo.